O Departamento de Serviços Correcionais de Hong Kong tem usado métodos de “lavagem cerebral” para “desradicalizar” os manifestantes pró-democracia presos no território semiautônomo. A revelação foi feita por dois ex-ativistas que passaram pelo cárcere, de acordo com a rede Voice of America (VOA).
Conforme o relato dos ex-presidiários, enquanto cumpriam suas sentenças, ambos teriam sido obrigados a assistir a vídeos de conteúdo pró-China, à medida que assistentes sociais do governo tentavam moldar suas visões políticas.
Segundo o Departamento, o método de reabilitação foca na compreensão da história chinesa e da educação nacional, com as seguintes diretrizes: reconstrução psicológica e restabelecimento de valores;, planejamento de vida e reconstrução das relações familiares, “com vista a estabelecer metas por fase para que eles alcancem a desradicalização progressivamente”.
Defensores dos direitos humanos disseram que as medidas de “desradicalização” impostas pelo regime chinês em Hong Kong são semelhantes às usadas na província de Xinjiang contra a minoria uigur, que têm como objetivo reprimir críticas e oposição ao governo. Na opinião dos ativistas, caso a comunidade internacional se omita, a tendência é o tratamento continuar.
Até o final de fevereiro, 250 presos participaram dos programas de forma voluntária e a reação foi definida como “positiva e favorável”, informou o departamento.
Em 2020, uma ampla lei de controle foi imposta em Hong Kong, criminalizando qualquer ato tido como ameaça à segurança do território. Muitos líderes democráticos foram presos ou fugiram, entre eles ativistas proeminentes da CHRF (Frente Civil de Direitos Humanos, da sigla em inglês), como Jimmy Sham e Figo Chan. Temendo a perseguição, mais de 30 grupos da sociedade civil foram desfeitos.
Lavagem cerebral pela TV
Um dos detentos ouvidos pela reportagem relatou que as sessões de duas horas para criminosos adultos se concentraram principalmente em técnicas bem-sucedidas de entrevista de emprego. Nos últimos 30 minutos, os presos foram obrigados a assistir ‘No Poverty Land’ (“terra sem pobreza”, em tradução literal), uma série de 12 episódios feita pela emissora comercial local TVB em 2021, que se concentra em mostrar esforços de alívio da pobreza em áreas remotas da China pelo governo.
A TVB é uma das maiores empresas de televisão aberta de Hong Kong. Li Ruigang, ex-vice-secretário-geral do Comitê Municipal de Xangai do Partido Comunista Chinês (PCC), é um dos principais acionistas.
“Acho que é lavagem cerebral”, concordaram ambos. “Todas as manhãs, durante o café da manhã, assistíamos a programas sobre a tecnologia avançada da China. Estava ligada o tempo todo, repetidamente”.
Luke de Pulford, ativista de direitos humanos e coordenador da Aliança Interparlamentar sobre a China, explica que tais táticas usadas nas prisões de Hong Kong têm grande semelhanças às táticas já usadas pelas autoridades na China.
“Esses padrões são assustadoramente familiares”, disse ele. “Ameaças disfarçadas de incentivos. Lavagem cerebral disfarçada de reeducação. As táticas de Xinjiang realmente estão chegando a Hong Kong”, alerta.
Por que isso importa?
Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.
A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela “lei de segurança nacional“, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.
No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.
O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.
Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território, enquanto o Reino Unido diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China.