Nesta sexta-feira (27), o principal grupo que lidera a oposição ao regime militar em Mianmar recusou uma oferta inesperada dos generais no poder para realizar negociações com o objetivo de encontrar uma solução política para o conflito armado no país. As informações são da Associated Press.
Nay Phone Latt, porta-voz do Governo de Unidade Nacional (NUG, na sigla em inglês), que estabeleceu um regime paralelo em desafio à junta militar, afirmou à reportagem que uma declaração conjunta feita por grupos de oposição no início deste ano já estabeleceu a base para uma solução política negociada, desde que o exército aceite suas condições.
Padoh Saw Kalae Say, porta-voz da União Nacional Karen (KNU, da sigla em inglês), que representa a minoria étnica Karen, afirmou que o grupo rejeitará a oferta militar de negociações, considerando-a ultrapassada. Ele ressaltou que a KNU, que luta por autonomia desde 1948, “não vê necessidade de reconsiderar a proposta”, conforme já expressou em declarações anteriores.
“O que vemos é que suas ofertas convidativas são ideias de mais de 70 anos atrás”, disse.
Os militares de Mianmar divulgaram na quinta-feira uma “oferta para resolver questões políticas por meios políticos”, sua proposta mais direta de negociações de paz desde que assumiram o poder em 2021. Eles convidam seus opositores a resolver questões por meio de processos partidários ou eleitorais, em vez de seguir o “terrorismo armado”, para promover a paz e o desenvolvimento.
A oferta dos militares ocorreu poucos dias antes do início de um censo para preparar as eleições gerais do próximo ano, vistas como uma tentativa de legitimar seu governo. No entanto, devido ao conflito no país, críticos duvidam que a eleição será livre e justa. A votação, originalmente prevista para agosto de 2023, foi adiada diversas vezes.
A oferta dos militares veio após o exército sofrer derrotas significativas no ano passado contra milícias étnicas poderosas, particularmente nas regiões ao longo da fronteira com a China e no estado de Rakhine. A junta continua a culpar os opositores pela instabilidade desde a tomada de poder em 2021.
O chefe da junta, general Min Aung Hlaing, que recentemente assumiu oficialmente o governo, não esconde mais o insucesso de suas tropas. “Esforços serão feitos para restaurar a paz e a estabilidade em todo o país, incluindo o norte do estado de Shan”, disse ele em um discurso na semana passada.
O exército está na defensiva contra milícias étnicas que buscam autonomia e enfrenta diversos grupos guerrilheiros armados, chamados de Forças de Defesa do Povo, que lutam pela restauração da democracia após a tomada de poder pelos militares.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.