Para driblar sanções ocidentais, empresas russas correm para abrir contas em bancos chineses

Bancos estatais da China observam crescimento nas consultas de corporações da Rússia interessadas em abrir novas contas

Em meio às poderosas sanções econômicas impostas à Rússia por EUA e União Europeia (UE), como represália pela invasão da Ucrânia, a filial de Moscou de um banco estatal chinês tem registrado aumento nas consultas de empresas russas interessadas em abrir novas contas. As informações são da agência Reuters.

De acordo com a fonte ouvida pela reportagem, uma pessoa familiarizada com o assunto que falou sob condição de anonimato, a medida é uma alternativa das corporações russas na luta contra as penalidades internacionais aplicadas em consequência do conflito iniciado há oito dias.

“Nos últimos dias, entre 200 e 300 empresas nos abordaram querendo abrir novas contas”, relatou a pessoa, uma funcionária da filial moscovita de um banco estatal chinês e que tem vasto conhecimento de suas operações. A instituição bancária teve o nome preservado.

Sede europeia do China Construction Bank, em Luxemburgo (Foto: Wikimedia Commons)

Diversos bancos estatais chineses operam em Moscou, entre eles o Industrial & Commercial Bank of China, o Agricultural Bank of China, o Bank of China e o China Construction Bank.

A fonte não deu números exatos sobre a demanda russa, mas revelou que uma quantidade expressiva dos novos clientes mantêm negócios com a China. E há expectativa de que as transações em yuan dessas firmam cresçam.

A atmosfera não é nada boa para essas empresas. Em escalada, países ocidentais têm desconectado a Rússia do sistema financeiro global, à medida que governos pressionam multinacionais para que cancelem vendas, cortem laços e abram mão de investimentos na casa de dezenas de bilhões de dólares.

Um empresário chinês com relação de longa data com a Rússia, que também pediu para ter a identidade preservada, relatou que várias empresas russas com as quais trabalha planejam abrir contas em yuans.

“É uma lógica bem simples. Se você não pode usar dólares americanos ou euros, e os EUA e a Europa param de vender muitos produtos, você não tem outra opção a não ser recorrer à China. A tendência é inevitável”, disse a fonte à Reuters.

Se por um lado há um aumento vertiginoso de empresas ocidentais abandonando a Rússia, de outro, há gigantes de mercados emergentes, a exemplo da China, dispostos a manter relações comerciais com Moscou. E tal tendência pode ameaçar o protagonismo do dólar americano no comércio global.

“É natural que as empresas russas estejam dispostas a aceitar o yuan”, observou Shen Muhui, chefe de um órgão comercial que promove as ligações entre a Rússia e a China.

A moeda russa teve uma queda recorde na quarta-feira (2), perdendo quase 40% de seu valor em relação ao yuan. “Os pequenos exportadores chineses estão sofrendo com a queda do rublo e muitos estão suspendendo as entregas para evitar possíveis perdas”, acrescentou Shen.

No entanto, ele aposta que a demanda russa por produtos chineses tem tendência de crescimento a longo prazo. “A chave é resolver questões de acordos comerciais diante das sanções”, previu.

Alheia ao conflito

China já deixou claro que pretende se manter alheia à guerra. Porém, é uma moeda de dois lados: em um, Beijing condena as sanções financeiras impostas pelos governos ocidentais a Moscou, as quais classifica como “ineficazes”; do outro, promete manter relações comerciais normais com Kiev. 

Guo Shuqing, que preside a Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China, disse na última quarta-feira (2) que as relações entre a China e os dois países envolvidos no conflito não mudarão. O discurso repete o que havia dito no dia anterior Wang Wentao, ministro do Comércio chinês, segundo quem Beijing espera “promover nosso comércio normal” com ambas as nações.

Por que isso importa?

A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo ano e se estende até hoje.

O conflito armado no leste da Ucrânia opõe o governo central às forças separatistas das autodeclaradas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, que formam a região de Donbass e foram oficialmente reconhecidas como territórios independentes por Moscou. Foi o suporte aos separatistas que Putin usou como argumento para justificar a invasão, classificada por ele como uma “operação militar especial”.

“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro, de acordo com o site independente The Moscow Times. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país, segundo a agência AFP.

Desde o início da ofensiva, as forças da Rússia caminham para tentar dominar Kiev, que tem sido alvo de constantes bombardeios. O governo da Ucrânia e as nações ocidentais acusam Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, o que pode ser caracterizado como crime de guerra ou contra a humanidade.

Fora do campo de batalha, o cenário é desfavorável à Rússia, que tem sido alvo de todo tipo de sanções. Além das esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais, que já começaram a sufocar a economia russa, o país tem se tornado um pária global. Representantes russos têm sido proibidos de participar de grandes eventos em setores como esporte, cinema e música.

De acordo com o presidente dos EUA, Joe Biden, as punições tendem a aumentar o isolamento da Rússia no mundo. “Ele não tem ideia do que está por vir”, disse o líder norte-americano, referindo-se ao presidente russo Vladimir Putin. “Putin está agora mais isolado do mundo do que jamais esteve”.

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