Premiê australiano perde conta no WeChat e acusa China de interferir em eleição

Perfil era usado para dialogar com a comunidade chinesa na Austrália e foi vendido a uma empresa chinesa sem prévia notificação

Desde julho de 2021, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison perdeu acesso ao perfil que mantinha ativo no aplicativo de mensagens instantâneas chinês WeChat. A conta, que o político usava para se comunicar em mandarim com eleitores de origem chinesa na Austrália, foi adquirida por uma empresa da China, o que gerou duras críticas a Beijing por parte de políticos locais às vésperas da eleição parlamentar. As informações são do The Wall Street Journal.

A conta do premiê tinha cerca de 76 mil seguidores e continha fotos e informações políticas. Desde que ele perdeu acesso à ferramenta, o perfil foi renomeado como Australia China New Life (Nova Vida Austrália China, em tradução literal) e contém uma pequena frase justificando a mudança: “Scott Morrison, a conta oficial que você seguia antes, transferiu todos os negócios e funções para esta conta oficial”.

“Esta é uma tentativa clara e transparente do Partido Comunista Chinês (PCC) de censurar o primeiro-ministro australiano e impedi-lo de fazer campanha para a comunidade australiana chinesa”, disse o parlamentar local James Paterson, partidário do premiê e presidente do Comitê Parlamentar Conjunto de Inteligência e Segurança.

O primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, em julho de 2020 (Foto: Twitter/Scott Morrison)

Segundo a Tencent Holdings Ltda., dona do WeChat, a conta pertencia a um cidadão chinês e foi comprada por outra empresa chinesa, a desconhecida Fuzhou 985 Technology. “Isso parece ser uma disputa sobre a propriedade da conta”, disse a Tencent. “Continuaremos a investigar esse assunto mais a fundo”.

Já um funcionário da Fuzhou 985, que se identificou apenas como Huang, disse à agência Reuters que desconhecia qualquer ligação do líder australiano com o perfil. “Achamos que essa conta tinha uma grande base de seguidores, então decidimos comprá-la”, disse ele, acrescentando que a empresa estava procurando uma conta cujo público-alvo fosse a comunidade chinesa na Austrália. Ele se recusou a dizer quanto a empresa pagou pela conta.

Paterson, por sua vez, diz que o governo australiano apelou ao WeChat para que restaurasse o acesso à conta, sem sucesso. Já o líder da oposição, Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, conseguiu continuar utilizando o aplicativo normalmente nos últimos meses, o que faz o governo desconfiar de uma tentativa de influenciar nas eleições locais.

“Acho que isso constitui interferência estrangeira em nossa democracia, e é por isso que estou pedindo a todos os políticos australianos que boicotem a plataforma”, disse Paterson, membro do Partido Liberal.

Morrison enfrenta uma disputa acirrada pela reeleição neste ano, e a relação com a China é uma questão relevante na corrida eleitoral. O Partido Trabalhista, de oposição, ultrapassou a coalizão liderada por Morrison em uma pesquisa eleitoral divulgada na semana passada.

Por que isso importa?

A relação cordial entre Austrália e China começou a deteriorar em 2018, quando Camberra proibiu a Huawei de fornecer equipamentos para uma rede móvel 5G, citando riscos de interferência estrangeira. E teve piora em 2020, quando a Austrália cobrou uma investigação independente sobre a origem do coronavírus em Wuhan, o que despertou a ira da China.

A resposta chinesa veio em forma de imposição de tarifas sobre produtos australianos, como vinho e cevada, além de importações limitadas de carne bovina, carvão e uvas australianas. Os Estados Unidos definiram o movimento como “coação econômica”. À época, as vendas de vinho do país ao Reino Unido cresceram quase 30% depois que a China aumentou taxas de commodities australianas. O país também chegou a “desencorajar” as fábricas de roupas do país de usarem o algodão australiano.

Um documento de 14 páginas vazado de forma deliberada pela Embaixada da China na Austrália em novembro de 2020 já apontava a grave deterioração nas relações entre os dois países. Nele, Beijing acusava o primeiro-ministro Scott Morrison de “envenenar as relações bilaterais”.

A carta ainda culpava Camberra pelos relatórios “hostis e antagônicos” sobre a China na mídia australiana independente e pelos ataques ao acordo do Cinturão da Rota da Seda no estado de Victoria, onde fica Melbourne.

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