Rebeldes entregam as armas em Nagorno-Karabakh, com milhares de armênios em fuga

Cerca de três mil pessoas já deixaram a região rumo à Armênia após a ação militar do Azerbaijão, que levou a um acordo mediado pela Rússia

A população étnica armênia que vive em Kagorno-Karabakh, região disputada com o vizinho Azerbaijão no sul do Cáucaso, começou a se retirar da área, resultado da ofensiva militar azeri que aconteceu na semana passada. Um novo conflito foi evitado graças a um cessar-fogo mediado pela Rússia, acordo que tem levado rebeldes a entregarem suas armas.

A ação das forças do Azerbaijão deixou milhares de pessoas desabrigadas na região, e o governo da Armênia prometeu que todos seriam acolhidos. Dos cerca de 120 mil armênios étnicos que vivem em Nagorno-Karabakh, cerca de três mil já cruzaram a fronteira, de acordo com a rede BBC.

Yerevan anunciou um plano para reintegrar todos os armênios étnicos como “cidadãos iguais” e os alertou que permanecer na região disputada é um risco cada vez maior, denunciando um processo de “limpeza étnica” realizado pelo Azerbaijão.

As pessoas que permanecem na região têm recebido ajuda humanitária, embora Baku tenha permitido somente uma entrega, que totaliza 70 toneladas de alimentos. Os moradores da região dizem que há milhares de desabrigados, forçados a viver em porões ou edifícios estruídos, sem comida ou atendimento médico.

Desfile militar do Azerbaijão após guerra contra a Armênia, dezembro de 2020 (Foto: WikiCommons)

O primeiro-ministro Nikol Pashinyan afirmou na semana passada que elaborou um plano para abrigar até 40 mil refugiados, mas não deu detalhes de como isso será feito. Muitos cidadãos armênios aderiam a uma iniciativa popular para receber os refugiados em suas próprias casas.

Aqueles que optaram por permanecer têm sido alvo das forças azeris, que intensificaram o controle após a contraofensiva, segundo o site The Defense Post. O objetivo de Baku é desarmar os rebeldes e assumir efetivamente o controle do enclave, onde já era a força dominante mesmo com a presença de tropas de paz russas.

Moscou alega que os rebeldes que lutavam contra as forças azeris em Nagorno-Karabakh já começaram a entregar suas armas. As forças armadas do Azerbaijão divulgaram fotos do que seria parte do arsenal recolhido, com rifles de precisão, metralhadoras russas, granas de propulsão e quatro tanques blindados.

“Temos mais pessoas assim na floresta, mas não podemos trazê-las todas para cá”, disse o tenente-general Mais Barkhudarov, comandante do 2º Corpo de Exército do Azerbaijão, sugerindo que muitos rebeldes não estão dispostos a se entregar, pelo menos em um primeiro momento.

Também surgiram relatos de pessoas que atearam fogo em suas próprias casas antes de ir embora, a fim de impedir que Baku viesse a assumir o controle dos imóveis.

Embora tenha interrompido um processo que parecia levar a um novo conflito entre Azerbaijão e Armênia, o cessar fogo não foi bem recebido pela população em Yerevan, onde protestos populares foram registrados na semana passada contra Pashinyan. Mais de 140 pessoas foram detidas.

Fracasso russo

Embora o cessar-fogo tenha sido alcançado através da mediação russa, a ofensiva azeri gerou críticas a Moscou, que tinha a missão de manter a paz em Nagorno-Karabakh. Em artigo publicado no jornal independente The Moscow Times, o analista político Mikhail Turchenko diz que a fragilidade da missão de paz da Rússia já havia levado a Armênia a direcionar sua política externa para o outro lado, voltando-se aos Estados Unidos.

“Neste momento, está claro que a Rússia perdeu a sua credibilidade como força de manutenção da paz regional aos olhos de Yerevan”, afirmou Turchenko no texto, lembrando que a Armênia inclusive se colocará sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI), que em março deste ano emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo Vladimir Putin.

Já o jornalista britânico Thomas de Waal, especializado no Cáucaso, sugeriu, em artigo para o think tank Carnegie Europe, que a frágil atuação das forças russas em Nagorno-Karabakh poderia inclusive levar a um “derramamento de sangue” durante o êxodo armênio, com “detenções de residentes do sexo masculino.”

Entenda a questão

Nagorno-Karabakh é um território ocupado por uma maioria armênia cristã que declarou independência do Azerbaijão, país majoritariamente muçulmano, desencadeando uma guerra que foi de 1992 a 1994. O conflito causou 30 mil mortes e desalojou centenas de milhares de pessoas, com a reivindicação de independência dos armênios não sendo reconhecida por nenhum país.

Desde 1994, o enclave vinha sendo controlado por forças que o Azerbaijão alegava incluir tropas fornecidas pela Armênia, que sempre negou ter militares por lá. Após um cessar-fogo estabelecido com a ajuda de RússiaEUA e França, um novo conflito armado entre os dois países eclodiu em 2020 e durou 44 dias, com mais 6,5 mil mortos, aproximadamente.

Um novo acordo de paz foi firmado, este mediado pela Rússia, no início de 2021. Mas ele é visto com desconfiança pela população armênia, e um ataque do Azerbaijão em 19 de setembro de 2023 gerou o temor de que um novo conflito com a Armênia poderia se iniciar.

O Ministério da Defesa do Azerbaijão afirmou em comunicado que “apenas alvos militares legítimos foram destruídos” usando ataques de precisão. A Armênia, reforçando que não tinha tropas em Nagorno-Karabakh, alegou que o governo azeri “violou o cessar-fogo ao longo de toda a linha de contato, com ataques de mísseis e artilharia.”

A ação do governo Azerbaijão incluiu mísseis, artilharia e drones turcos Bayraktar para bombardear o território ocupado pelos armênios. Baku alega que reagiu a um ataque vindo das montanhas que teria matado um número não especificado de soldados azeris.

Informações divulgadas por autoridades russas, azeris e armênias indicam que mais de 200 pessoas morreram em razão da ofensiva militar que durou cerca de 24 horas. Entre as vítimas estariam civis, crianças e até militares da Rússia, membros das forças de paz de Moscou que atuam na área.

Se o cessar-fogo for respeitado, poderá marcar o fim de um conflito que já dura cerca de três décadas.

Tags: