Reino Unido chama Taiwan de ‘independente’ e cria tensão para viagem de secretário à China

Ida de James Cleverly a Beijing marca a retomada simbólica das relações entre os dois países, interrompidas durante a pandemia

A viagem à China de James Cleverly, secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, a partir desta quarta-feira (30), ganhou um tempero especial. Tudo porque, no mesmo dia, relatório publicado pelo parlamento britânico classificou a ilha de Taiwan como “país independente”, um posicionamento que habitualmente enfurece Beijing. As informações são do site Politico.

“Taiwan já é um país independente, sob o nome de República da China”, diz relatório do comitê de relações exteriores da Câmara dos Comuns. “Taiwan possui todas as qualificações para ser um Estado, incluindo uma população permanente, um território definido, um governo e a capacidade de estabelecer relações com outros Estados. Só lhe falta um maior reconhecimento internacional.”

James Cleverly, secretário de Relações Exteriores do Reino Unido (Foto: Simon Dawson/WikiCommons)

A política conservadora Alicia Kearns, presidente do comitê, instou Cleverly a defender tal posição na visita à China, a primeira de uma autoridade britânica desde o início da pandemia de Covid-19. “É imperativo que o secretário de Relações Exteriores apoie Taiwan de forma firme e veemente e deixe claro que defenderemos o direito de Taiwan à autodeterminação”, disse ela.

A parlamentar reforçou seu posicionamento. “Este compromisso não se alinha apenas com os valores britânicos, mas também serve como uma mensagem comovente aos regimes autocráticos em todo o mundo de que a soberania não pode ser alcançada através da violência ou da coerção.”

Com o documento, o objetivo do comitê é pressionar governo britânico liderado pelo primeiro-ministro Rishi Sunak a adotar uma postura pró-Taiwan mais incisiva. “O Reino Unido poderia perseguir relações mais estreitas com Taiwan se não fosse excessivamente cauteloso quanto a ofender o Partido Comunista Chinês (PCC)”, diz o órgão.

Beijing reagiu imediatamente, através de Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês. “A China insta o parlamento britânico a aderir ao princípio de ‘uma só China’ e a parar de enviar sinais errados às forças separatistas pró-independência de Taiwan”, disse ele, acrescentando que o relatório do comitê britânico “inverte o certo e o errado e confunde o preto com o branco.”

No jornal Global Times, gerido pelo PCC, Wang falou sobre a viagem sem citar relatório. “Esperamos que o Reino Unido trabalhe em conjunto com a China para defender o espírito de respeito mútuo, manter intercâmbios profundos, melhorar a compreensão e promover o desenvolvimento estável das relações bilaterais”, disse ele, segundo o periódico.

Ouvido pelo jornal chinês, Cui Hongjian, diretor do Departamento de Estudos Europeus do Instituto de Estudos Internacionais da China, diz que a visita de Cleverly é uma “oportunidade para as relações China-Reino Unido reiniciarem e regressarem gradualmente à normalidade”, vez que “estão há muito tempo atoladas na incerteza.”

Por que isso importa?

Taiwan é uma questão territorial sensível para a China, e a queda de braço entre Beijing e o Ocidente por conta da pretensa autonomia da ilha gera um ambiente tenso, com a ameaça crescente de uma invasão pelas forças armadas chinesas a fim de anexar formalmente o território taiwanês.

Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também vê Hong Kong como parte da nação chinesa.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal parceiro militar de Taipé. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.

A China, em resposta à aproximação entre o rival e a ilha, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.

A crise ganhou contornos mais dramáticos após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, em agosto. Foi a primeira pessoa ocupante do cargo a viajar para Taiwan em 25 anos, atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.

O treinamento serviu como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.

Desde então, aumentou consideravelmente a expectativa global por uma invasão chinesa. Para alguns especialistas, caso do secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin, o ataque “não é iminente“. Entretanto, o secretário de Estado Antony Blinken afirmou em outubro “que Beijing está determinada a buscar a reunificação em um cronograma muito mais rápido”.

As declarações do chefe da diplomacia norte-americana vão ao encontro do que disse o presidente chinês Xi Jinping no recente 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC). “Continuaremos a lutar pela reunificação pacífica”, disse ele ao assegurar seu terceiro mandato à frente do país. “Mas nunca prometeremos renunciar ao uso da força. E nos reservamos a opção de tomar todas as medidas necessárias”.

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