Exercícios militares são ótima oportunidade para espionar a China, dizem analistas

Manobras deixaram claro, por exemplo, que a China poderia impor um bloqueio aéreo e naval a Taiwan, uma alternativa à invasão

A recente visita a Taiwan de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, irritou a China e gerou uma resposta belicista, através de exercícios militares sem precedentes no entorno da ilha que Beijing reivindica como parte do seu território. Segundo analistas de segurança ouvidos pela agência Reuters, essas manobras dão ao Ocidente uma ótima oportunidade de espionar os chineses e entender melhor algumas de suas táticas de guerra, dados que seriam cruciais no caso de um eventual conflito.

Algo que ficou claro com os exercícios militares é a capacidade da China de impor um bloqueio aéreo e naval a Taiwan, possibilidade há tempos sugerida por especialistas como alternativa a uma invasão militar, algo que Beijing talvez não tenha condições estratégicas de realizar neste momento.

Os exercícios ao redor do território semiautônomo contaram com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes. As manobras funcionaram como um “bloqueio” eficaz, que impediu tanto o transporte marítimo quanto a aviação. “Por razões de segurança, é proibida a entrada de embarcações e aeronaves no espaço marítimo e aéreo mencionado acima”, disse Beijing em comunicado prévio.

Durante as manobras, o governo norte-americano manteve ao menos quatro navios de guerra a leste de Taiwan, sob o comando do porta-aviões USS Reagan. Também é possível que submarinos japoneses e taiwaneses tenham atuado, gerando assim uma oportunidade de vigilância avançada.

Através dos submarinos, é possível, por exemplo, coletar a “assinatura” acústica individual de navios de guerra chineses, informação vital em caso de guerra.

Sistema de lançamento de mísseis de longa distância do exército chinês (Foto: chinamil.com.cn/Liu Hengwu)

Taiwan também aproveitou as manobras para colocar em ação seus drones de reconhecimento Albatross, enquanto os EUA usaram sistemas especializados de coleta de inteligência eletromagnética e um navio de monitoramento de mísseis.

Collin Koh, um analista de segurança baseado em Singapura, disse que estudar as estratégias chinesas é mais importante que avaliar o armamento inimigo. Ele destacou o episódio como uma chance de observar o Comando do Teatro Oriental do Exército de Libertação Popular (ELP), a Força de Foguetes e a Força de Apoio Estratégico operando de maneira coordenada e integrada.

“Espero que os EUA estejam coletando de um espectro completo, sinais, comunicações e inteligência eletrônica. É uma oportunidade boa demais para ser perdida”, disse ele. “Quando você coleta esse tipo de dados do outro lado, significa que você pode descobrir onde estão as vulnerabilidades e ajuda a criar seus próprios sistemas de interferência e resposta”.

De acordo com o britânico Trevor Hollingsbee, analista de inteligência naval, há uma situação em particular que deveria ter sido observada. O Partido Comunista Chinês (PCC) adota a prática de enviar em cada navio de guerra um representante político, que acaba por dividir o comando do navio com o militar encarregado.

“Eles (os países ocidentais) estarão procurando qualquer evidência de que o sistema de comando de duas cabeças, empregando um oficial político em navios de guerra chineses, tenha um efeito prejudicial e explorável na eficiência do combate”, afirmou.

Projeções enganosas

Quanto ao armamento usado, as informações a serem coletadas tendem a ser menos relevantes, segundo dois oficiais das forças armadas norte-americanas. Eles avaliam que a maioria dos mísseis usados por Beijing nos testes já são de conhecimento dos EUA, embora seja possível que algo de novo tenha sido apresentado.

Destacam, ainda, que uma avaliação feita com base apenas em exercícios, nos quais não há um inimigo real do outro lado, pode ser enganosa. “As coisas são fáceis quando você não está levando tiros”, disse um deles.

O exemplo usado para ilustrar essa questão é o da Rússia, que tem enfrentado sérias dificuldades frente às tropas da Ucrânia. Com base nas ações do exército russo na tomada da Crimeia, em 2014, e na guerra civil da Síria, ainda em andamento, a inteligência norte-americana projetou que Moscou tomaria Kiev rapidamente, algo que não se confirmou.

No caso chinês, ao menos até agora, a perspectiva vai no sentido oposto, de que Beijing ainda não teria condições estratégicas de invadir a ilha. Mover equipamento e tropas pelo Estreito de Taiwan, atacar um exército motivado e enfrentar as defesas aéreas da ilha são desafios para os quais o ELP pode não ter uma resposta neste momento.

Segundo um terceiro oficial das forças armadas norte-americanas, que também falou sob condição de anonimato, essa avaliação se mantém após os exercícios militares realizados no entorno de Taiwan.

Por que isso importa?

Taiwan é uma questão territorial sensível para os chineses. Nações estrangeiras que tratem a ilha como nação autônoma estão, no entendimento de Beijing, em desacordo com o princípio “Uma Só China“, que também encara Hong Kong como parte do território chinês.

Embora não tenha relações diplomáticas formais com Taiwan, assim como a maioria dos demais países, os EUA são o mais importante financiador internacional e principal fornecedor de armas do território. Tais circunstâncias levaram as relações entre Beijing e Washington a seu pior momento desde 1979, quando os dois países reataram os laços diplomáticos.

A China, em resposta, endureceu a retórica e tem adotado uma postura belicista na tentativa de controlar a situação. Jatos militares chineses passaram a realizar exercícios militares nas regiões limítrofes com Taiwan e habitualmente invadem o espaço aéreo taiwanês, deixando claro que Beijing não aceitará a independência formal do território “sem uma guerra“.

A crise ganhou contornos ainda mais dramáticos após a visita de Pelosi, primeiro membro da Câmara a viajar para Taiwan em 25 anos, uma atitude que mexeu com os brio de Beijing. Em resposta, o exército da China realizou um de seus maiores exercícios militares no entorno da ilha, com tiros reais e testes de mísseis em seis áreas diferentes.

O treinamento serve como um bloqueio eficaz, impedindo tanto o transporte marítimo quanto a aviação no entorno da ilha. Assim, voos comerciais tiveram que ser cancelados, e embarcações foram impedidas de navegar por conta da presença militar chinesa.

Beijing, que falou em impor “sérias consequências” como retaliação à visita, também sancionou Taiwan com a proibição das exportações de areia, material usado na indústria de semicondutores e crucial na fabricação de chips, e a importação de alimentos, entre eles peixes e frutas. Quatro empresas taiwanesas rotuladas por Beijing como “obstinadas pró-independência” também foram sancionadas.

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