Tráfico humano, violência sexual e outros abusos afligem jovens em Mianmar

Somente em três Estados birmaneses calcula-se que mais de 200 mil menores tiveram que sair de casa e estão hoje deslocadas

O golpe de Estado que colocou os militares no poder em Mianmar, em fevereiro de 2021, tem vitimado centenas de milhares de crianças e adolescentes em Mianmar. Dados compilados por grupos de direitos humanos indicam que mais de 200 mil menores de 18 anos foram deslocados pela violência somente em três Estados, Kayin, Kayah e Rakhin. Em todo o país, os jovens são vítimas de violência sexual, usados como escudo humano, submetidos a trabalhos forçados e vendidos por quadrilhas de tráfico humano. As informações são da Radio Free Asia (RFA).

De acordo com o Grupo de Direitos Humanos Karen (KHRG, na sigla em inglês), as crianças birmanesas estão frequentemente entre as vítimas fatais de ataques aéreos realizados pelo governo no confronto com as forças de resistência.

“Os projéteis de artilharia nos atingem todos os dias e você nunca sabe quando outro virá”, disse um membro do sindicato dos professores de Kayah. “Aos nossos filhos foi negada a educação por um ano inteiro devido à Covid-19 e depois por outro anos por causa do golpe. Não podemos simplesmente parar de aprender, então devemos ensiná-los durante a fuga”.

Crianças observam a mina de cobre em Mianmar (Foto: Natural Resource Governance Institute/Twitter)

Também são comuns os casos de menores usados como escudos humanos no choque entre militares e rebeldes, vendidos para redes de exploração sexual ou levados para campos de trabalhos forçados.

As 200 mil crianças são a maioria de um total de 350 mil pessoas deslocadas internamente, sendo que as meninas representam a parcela mais relevante do grupo. E as estatísticas não englobam o Estado de Sagaing, no noroeste do país, que viu alguns dos piores confrontos entre militares e forças de resistência.

Entretanto, números divulgados pela ONU (Organização das Nações Unidas) indicam que ao menos 500 mil pessoas fugiram do conflito em Sagaing nos últimos 20 meses.

Sem acesso à edução

Em Rakhine, aproximadamente dez mil crianças que foram forçadas a deixar suas casas estão alojadas em cerca de 150 campos para deslocados internos, onde tentam seguir com os estudos. Segundo um trabalhador humanitário voluntário que atua na região, os menores fugiram de casa com suas famílias em meio aos ataques aéreos e às prisões arbitrárias por forças do governo.

“Muitos de nós estão constantemente fugindo devido à insegurança regional, ao invés de qualquer batalha específica”, disse o voluntário. “A maior perda é a educação dos nossos filhos. Enquanto isso, a comida é escassa e estamos lidando com problemas de saúde, como a gripe sazonal, agora que está se aproximando o inverno”.

Os números, porém, não são precisos. Um dos desafios para a coleta de dados é o próprio governo militar, que impede a atuação de entidades humanitárias internacionais com melhores condições de realizar esse trabalho.

De acordo com a Acnur, a agência da ONU para refugiados, existem hoje 89 milhões de refugiados em todo o mundo, sendo 36 milhões de crianças. Em Mianmar como um todo, pelo menos 1,3 milhão de crianças foram deslocadas desde o golpe, em comparação com cerca de 300 mil antes da tomada de poder pelos militares.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo já causou a morte de ao menos duas mil pessoas desde o golpe de 1º de fevereiro de 2021, que sucedeu as eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu a presidente eleita Aung San Suu Kyi.

O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. Cerca de 15 mil pessoas já foram presas, invariavelmente sem indiciamento ou julgamento prévio, e muitas famílias continuam à procura de parentes desaparecidos. Jornalistas e ativistas são atacados deliberadamente, e serviços de internet têm sido interrompidos.

No início de dezembro, tropas da junta militar foram acusadas de assassinar 11 pessoas em uma aldeia no noroeste do país. De acordo com uma testemunha, as vítimas, algumas delas adolescentes, teriam sido amarradas e queimadas na rua. Fotos e um vídeo chocantes que viralizaram nas redes sociais à época mostravam corpos carbonizados deitados em círculo no vilarejo de Done Taw, região de Sagaing.

A ação dos soldados seria uma retaliação a um ataque de grupos rebeldes armados contra um comboio militar. Uma liderança local da oposição afirmou que os civis foram queimados vivos, evidenciando a brutalidade da repressão à população que tenta resistir ao golpe de Estado orquestrado em fevereiro deste ano.

Em meio à violenta repressão por parte do exército, alguns manifestantes fugiram para o exterior ou se juntaram aos grupos de resistência em partes remotas do país. Conhecidas como Forças de Defesa do Povo, essas facções estão amplamente alinhados com o governo civil deposto.

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