Turquia não irá extraditar uigures para a China, declara chanceler

Mevlut Cavusoglu diz que tratado de extradição firmado com Beijing não mudará a posição de Ancara: "São nossos cidadãos"

O ministro das Relações Exteriores da Turquia disse que o país não irá deportar uigures para a China. A declaração, dada na última quinta-feira (29), ocorreu em meio a temores de que um novo acordo de extradição entre os dois países possa colocar em risco a perseguida minoria muçulmana que vive na província de Xinjiang, noroeste do país asiático. As informações são da rede Radio Free Asia.

“Os laços turco-chineses sofreram por nossa atitude em relação aos uigures turcos. Eles (chineses) têm pedidos de extradição para pessoas que são nossos cidadãos, que vivem na Turquia o tempo todo, e não concedemos nenhum deles”, disse Mevlut Cavusoglu durante coletiva de imprensa de fim de ano em Ancara.

Mevlut Cavusoglu, ministro das Relações Exteriores da Turquia (Foto: WikiCommons)

Rejeitando as alegações de que os uigures turcos estão sendo extraditados para a China, Cavusoglu resumiu o que pensa sobre tais declarações: “uma mentira total”. Segundo ele, o tratado de extradição ratificado por Beijing no fim do ano passado não mudará isso. Já o parlamento turco ainda não ratificou formalmente o acordo.

“Nossa defesa dos direitos dos uigures turcos na arena internacional perturba a China. Mas esta é uma questão humanitária”, disse ele, citando um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre os uigures turcos na China divulgado em setembro.

Porém, nos últimos anos, o governo turco foi acusado de deportar dissidentes uigures para a China, tornando mais fácil para Beijing garantir sua extradição e possivelmente colocá-los em campos de “reeducação” ou prisões, que oficialmente visam a afastar as minorias muçulmanas do extremismo e do separatismo.

A Turquia tem sido um dos países mais hospitaleiros para os uigures, com quem a população local compartilha laços étnicos, religiosos e linguísticos. Cerca de 50 mil membros da minoria muçulmana de raízes turcas vivem no país, contingente que forma a maior diáspora uigur fora da Ásia Central.

Cavusoglu enfatizou que a Turquia deseja cooperar com a China de maneira transparente. “Nosso embaixador ainda não esteve lá (Xinjiang), eles (o governo chinês) não o permitem.”

As autoridades chinesas não permitem que o embaixador turco em Beijing visite livremente a região onde vivem os turcos uigures, mas querem que ele siga um “programa que eles fornecem”.

“Queremos cooperar, não vemos isso como uma questão política. Não somos categoricamente anti-chineses. Sempre dissemos que apoiamos a política de ‘Uma Só China‘”, acrescentou Cavusoglu, referindo-se à disputa sobre Taiwan.

Por que isso importa?

A província de Xinjiang, que fica no noroeste da China, faz fronteira com países da Ásia Central. Ali vive a comunidade uigur, uma minoria muçulmana de raízes turcas que sofre perseguição do governo chinês, com acusações de abusos diversos.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Em agosto, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou um aguardado relatório que fala em “graves violações dos direitos humanos” cometidas em Xinjiang. O documento destaca “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção”, bem como “alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O relatório, porém, não citou a palavra “genocídio” usada por alguns países ocidentais. O governo do presidente Joe Biden, dos EUA, foi o primeiro a usar o termo para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e a Lituânia se juntou ao grupo mais recentemente.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país. Beijing costuma classificar as denúncias como “a mentira do século”.

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