‘Voluntários consulares’ ampliam ameaça aos cidadãos chineses no exterior, diz relatório

Missões diplomáticas da China agem sem o conhecimento dos governos anfitriões para fortalecer a vigilância sobre os dissidentes

Há pelo menos dez anos, o governo chinês reforça suas equipes diplomáticas em todo o mundo com “voluntários consulares”, indivíduos recrutados sob a justificativa oficial de melhorar a oferta de serviços aos cidadãos da China no exterior. Tal processo, invariavelmente realizado sem o conhecimento expresso das nações anfitriãs, foi tema de um relatório divulgado nesta semana pela ONG Safeguard Defenders, que alerta para os riscos implícitos na prática.

Embora o recrutamento ocorra há no mínimo uma década, foi regulamentado apenas no dia 1º de setembro deste ano, através de um decreto do Conselho de Estado da China. E isso ocorreu somente sob pressão do Ocidente, que instou Beijing a “respeitar a Convenção de Viena sobre Relações Consulares”, de acordo com a ONG.

Um indício de que os “voluntários consulares” fazem mais do que ajudar seus compatriotas reside no fato de que eles mantêm relação com a Frente Unida, uma rede de influenciadores que servem ao Partido Comunista Chinês (PCC) promovendo os interesses da sigla que comanda a China.

Protesto contra o PCC em frente ao consulado chinês em Toronto, no Canadá (Foto: Twitter/Reprodução)
Espionagem e repressão

Um dos países em destaque no relatório é a Bélgica, onde o recrutamento de voluntários ocorre ao menos desde 2013. A agência estatal de notícias China News Service disse que a rede, em 2018, era “composta por 53 voluntários da comunidade chinesa no exterior na Bélgica, empresas financiadas pela China e estudantes internacionais. Possui 12 serviços voluntários cobrindo dez províncias da Bélgica e a capital Bruxelas.”

A Safeguard Defenders cita também uma decisão de janeiro de 2022 do Tribunal Federal do Canadá, sentenciando que o Escritório de Assuntos Chineses no Exterior (OCAO), nome formal atribuído à Frente Unida, é “uma entidade que se envolve em espionagem e age contrariamente aos interesses do Canadá“. Atua, inclusive, na coleta de informações de cidadãos chineses no exterior.

O think tank Instituto Australiano de Política Estratégica, por sua vez, diz que a Frente Unida é “um conjunto complexo e opaco de organizações destinadas a promover a influência do PCC na indústria e na sociedade civil.” Acrescenta que, na China, ela “tem várias responsabilidades, que vão desde a repressão das minorias étnicas no Tibete e em Xinjiang até a preparação de membros dos partidos políticos menores da China para assumirem cargos no governo.”

Embora não seja uma prática habitual notificar as nações anfitriãs sobre o recrutamento dos voluntários, os sites de embaixadas e consulados chineses costumam noticiar nomeações, treinamentos e cerimônias que envolvem a rede. Isso foi registrado em nações como Suécia, Itália, Espanha, Grécia, Portugal, França e República Tcheca. Também há episódios registrados em Chile, Turquia, Malásia, África do Sul e Japão.

Tais informativos publicados pelas missões diplomáticas especificam ainda alguns dos principais alvos de Beijing no recrutamento, como estudantes e outros cidadãos chineses que estudam ou vivem em países estrangeiros e funcionários chineses de empresas financiadas pela China.

Não há provas concretas de que os “voluntários consulares” efetivamente assediem dissidentes, mas o caso inevitavelmente remete a outro denunciado anteriormente pela Safeguard Defenders. Em setembro de 2022, a entidade revelou a existência de centros avançados de polícia no exterior, usados por Beijing para perseguir cidadãos chineses e obrigá-los a retornar ao país asiático sob a justificativa oficial de responderem judicialmente a crimes diversos.

O relatório mais recente traça um paralelo entre os dois episódios ao alertar que a Frente Unida recebe do governo “acesso amplo aos dados privados, endereços residenciais e informações de contato dos indivíduos” que eventualmente solicitem apoio consular. Uma prerrogativa que “pode aumentar perigosamente a sua função de controle sobre as comunidades ultramarinas e dissidentes.”

Segundo o analista político chinês Wang Longmeng, radicado na França, não há dúvidas que a rede de voluntários representa uma ameaça às liberdade individuais. “Essas pessoas estão coletando informações sobre dissidentes, e muitos familiares de dissidentes em seus países também estão sendo ameaçados”, disse ele à rede Radio Free Asia (RFA). “Esta é uma organização quase de espionagem e parte integrante da rede de repressão transnacional do Partido Comunista Chinês.”

Zhou Fengsuo, diretor executivo do Centro de Direitos Humanos na China, sediado nos EUA, reforça o alerta. “O Partido Comunista Chinês ocupará todo o espaço que puder nas sociedades democráticas para estender o seu domínio e se envolver na perseguição estatal”, afirmou. “Tal como aconteceu com os centros de polícia no exterior, a comunidade internacional precisa enfrentar esta forma de controle do governo.”

A partir de tais constatações, a Safeguard Defenders recomenda “a todos os funcionários e partes interessadas nas sociedades democráticas que se abstenham de legitimar associações e indivíduos ligados à Frente Unida,.”

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