Cerca de 47 mil russos já morreram na guerra da Ucrânia, segundo levantamento inédito

Pesquisadores conseguiram calcular também, embora com menos precisão, o número de feridos graves, levando o total de baixas a 125 mil

A guerra em curso na Ucrânia já matou aproximadamente 47 mil russos. Os números, que constam de um levantamento independente inédito feito pelos sites Mediazona e Meduza, lançam luz sobre um dos temas mais obscuros do conflito, vez que Moscou não divulga dados oficiais e habitualmente contesta informações sobre o tema divulgadas por agências estrangeiras de inteligência.

Para chegar aos 47 mil, os veículos tiveram a colaboração de Dmitry Kobak, pesquisador e professor da Universidade de Tübingen, na Alemanha, e usaram um conceito chamado “mortalidade excessiva”, que se popularizou durante a pandemia de Covid-19.

Os pesquisadores acessaram dados oficiais disponíveis para consultas públicas, como atestados de óbito e ações judiciais de inventário. A partir dessas informações, calcularam quantos homens russos de até 50 anos morreram entre fevereiro de 2022, quando começou a guerra, e 27 de maio de 2023. Então, compararam com a média do mesmo período em anos anteriores, e o excedente indicou quantos morreram na guerra.

O limite de idade, por sua vez, é o mesmo determinado pelas forças armadas russas para soldados rasos e oficiais abaixo do posto de coronel durante o período avaliado. Ou seja, só vão ao campo de batalhas homens com menos de 50 anos.

Integrantes das forças armadas da Rússia (Foto: reprodução/Facebook)

Partindo desse critério, o estudo cita uma segunda estatística, esta mais abrangente e ainda mais segura. “Para sermos absolutamente precisos, podemos afirmar com 95% de probabilidade que o verdadeiro número de baixas fica entre 40 mil e 55 mil”, diz o estudo, que não leva em conta as perdas nas regiões de Donetsk e Lugansk, no leste ucraniano.

Moscou divulgou pela última vez um balanço de soldados mortos em setembro de 2022, quando o ministro da Defesa Sergei Shouygu disse que 5.937 russos haviam morrido até então. Aqueles dados, porém, parecem baixos demais na comparação com o balanço feito agora por Mediazona e Meduza.

Dali em diante, a Rússia não apenas parou de divulgar números de mortos como tem levado à Justiça veículos, entidades e indivíduos que citem tal estatística. Quem o faz é acusado de “desacreditar as forças armadas“, crime previsto em uma lei criada especificamente durante a guerra e que prevê penas de multa e prisão para os infratores.

Os dados mais frequentes passaram a ser divulgados por serviços de inteligência ucraniano e de outros países, bem como por governos ocidentais. O estudo, porém, diz que mesmo os dados ocidentais não são confiáveis, o que torna o recente levantamento algo sem precedentes desde que teve início a guerra.

“Em qualquer conflito militar, cada lado está predisposto a exagerar as perdas do inimigo enquanto minimiza as suas próprias. Portanto, aceitar as estimativas de baixas do exército russo, oferecidas por oficiais ucranianos e pela mídia ocidental citando fontes de inteligência mostra-se problemático devido ao desafio inerente de verificação”, afirma o texto.

Além do levantamento, os autores, apoiados pela rede BBC, ainda mantém uma lista de todos os russos que morreram durante a guerra e que de alguma forma tiveram suas mortes confirmadas. São 26,8 mil homens identificados pelo nome, cujas mortes foram relatadas em redes sociais, reportagens da mídia local, memoriais ou que tiveram suas sepulturas fotografadas. O estudo, por sua vez, leva em conta tanto esses casos nominais como aqueles que não foram publicamente divulgados.

Por exemplo, entre o início da guerra e o final de 2022, os pesquisadores identificaram 25 mil mortes de homens até os 50 anos a mais que o esperado para o período. Depois disso, entre o início de 2023 e o dia 27 de maio, última data registrada, há outras 22 mil mortes excedentes.

Para fortalecer sua avaliação, o estudo usou dados do serviço Federal de Estatística do Estado (Rosstat) da Rússia para um levantamento à parte. Com base no mesmo método de “mortalidade excessiva”, usaram as estatísticas governamentais para identificar 24 mil mortes a mais que o esperado para o período entre fevereiro e dezembro de 2022. Dados muito próximos dos 25 mil mortos citados pelo estudo.

Nesse caso, os números são bastante parecidos com os divulgados em maio pela Casa Branca. Naquela oportunidade, o governo norte-americano reportou cem mil baixas russas entre janeiro e maio de 2023, sendo 20 mil soldados mortos e 80 mil feridos.

Dmitry Treshchanin, editor da Mediazona, explicou à agência Associated Press (AP) qual o maior desafio para se apurar as baixas russas na guerra da Ucrânia. Ele destacou que a Rússia não usa somente as forças armadas regulares, pois conta também com batalhões civis armados e organizações mercenárias como o Wagner Group. Ou seja, a diversidade de fontes torna o levantamento ainda mais desafiador.

O caso do Wagner merece atenção especial, por se tratar da maior força de apoio a Moscou no conflito. Também em maio, a organização paramilitar privada disse que 20 mil de seus combatentes haviam morrido somente na cidade de Bakhmut, leste da Ucrânia, onde vêm sendo travadas algumas das mais sangrentas batalhas da guerra.

Além dos mortos, o estudo fez uma projeção, essa bem menos precisa, de feridos. “Quando considerando o número de homens feridos tão gravemente que não retornaram ao serviço militar, a contagem total de baixas na Rússia sobe para pelo menos 125 mil soldados”, segundo o Meduza.

O estudo, então, faz uma comparação espantosa. Durante os 15 meses abordados, morreram três vezes mais soldados russos que tropas soviéticas em dez anos de guerra no Afeganistão. E nove vezes mais que nos dois anos da primeira Guerra Russo-Chechena, entre 1994 e 1996.

“Os números apresentados são notáveis ​​não apenas porque significam as dezenas de milhares de homens que Vladimir Putin enviou para morrer em uma guerra de agressão, mas também porque as autoridades trabalharam incansavelmente para esconder os custos reais e crescentes da invasão para os próprios russos”, afirmou o Meduza.

Tags: