Dois supostos ex-membros do Wagner Group confessam assassinatos de crianças na Ucrânia

Em entrevista a uma ONG de direitos humanos, um dos homens diz que recebeu ordens para "aniquilar todo mundo"

Dois cidadãos russos que dizem ter atuado pelo Wagner Group, uma organização paramilitar a serviço do Kremlin, confessaram ter matado crianças e outros civis enquanto combatiam na guerra da Ucrânia. As informações são da rede CNN.

Os dois supostos ex-mercenários fizeram a confissão em entrevista à da ONG Gulagu.net, uma exilada entidade russa de direitos humanos, anticorrupção e antitortura.

Os dois homens foram identificados como Azamat Uldarov e Alexey Savichev, que teriam deixado colônias prisionais russas como parte do processo de recrutamento de criminosos pelo Wagner Group. Eles receberam a promessa de perdão por seus crimes em troca de seis meses de serviço paramilitar.

A CNN diz que não foi capaz de confirmar a identidade dos dois homens exibidos no vídeo ou suas alegações. Porém, obteve documentos que confirmam os nomes citados, Azamat Uldarov e Alexey Savichev, como parte da lista de criminosos perdoados pelo presidente russo Vladimir Putin para que fossem à guerra.

Integrantes da organização paramilitar russa Wagner Group (Foto: VK/reprodução)
Crimes de guerra

Uldarov diz que, entre os potenciais crimes de guerra que cometeu, recebeu ordens para matar uma menina que tinha entre cinco ou seis anos. E obedeceu. “(Foi) uma decisão da administração. Eu não tinha permissão para deixar ninguém sair com vida, porque meu comando era matar qualquer coisa no meu caminho”, disse ele.

O ex-preso acrescentou. “Quero que a Rússia e outras nações saibam a verdade. Não quero guerra e derramamento de sangue. Você vê que estou segurando um cigarro nesta mão. Segui ordens com esta mão e matei crianças”, afirmou.

Ainda segundo ele, a violência contra civis é regra sobretudo nas cidades de Soledar e Bakhmut, que enfrentam combates ferozes na disputa entre as tropas russas e ucranianas. O Wagner Group tem sido especialmente atuante por lá, constantemente anunciando conquistas territoriais.

Uldarov citou nominalmente o comandante dos mercenários, Evgeny Prigozhin, um antigo aliado de Putin, como responsável pelas mortes. “Existe um superior acima de todos os comandantes: é Prigozhin, que nos disse para não deixar ninguém sair de lá e aniquilar todo mundo”, acrescentou.

Em determinadas operações, o ex-mercenário diz que recebeu ordens para “varrer” residências, matando todo mundo que eventualmente fosse encontrado nelas. “Você pode me condenar por isso. Eu não vou me opor. É seu direito. Mas eu também queria viver”, afirmou, dando a entender que seria morto caso não obedecesse às ordens.

Savichev confirmou que aqueles combatentes que não obedecessem às ordens dadas pelos superiores do Wagner Group seriam executados sumariamente.

Julgamento “justo”

Em seu canal no Telegram, Prigozhin disse ter assistido ao menos a algumas partes do vídeo. Ao comentar as acusações, negou que seus comandados tenham matado crianças e deu a entender que, como vingança pela denúncia, perseguiria tanto os dois homens quanto o autor do vídeo, Vladimir Osechkin, fundador da Gulagu.net.

“Posso dizer o seguinte: se pelo menos uma dessas acusações contra mim for confirmada, estou pronto para ser responsabilizado de acordo com qualquer lei”, disse o empresário, acrescentando que enviaria uma lista com os nomes de “30 ou 40 pessoas que estão cuspindo em mim”. Elas então deveriam ser entregues a ele para serem submetidas a “um julgamento justo, por assim dizer”.

Prigozhin acrescentou: “Eles não serão ‘civis’ para nós, e muito menos crianças, a quem nunca tocamos e não tocamos. Isso é uma mentira flagrante. Essas pessoas (que espalham as mentiras) são nossos inimigos e vamos lidar com elas de uma maneira especial”.

Andriy Yermak, chefe do gabinete do presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, usou o Twitter para comentar o caso e cobrou punições. “Terroristas russos confessaram numerosos assassinatos de crianças ucranianas em Bakhmut e Soledar. A confissão não é suficiente. Deve haver uma punição. Dura e justa. E com certeza será. Quantos crimes como esses foram cometidos?”.

Mais abusos revelados

Osechkin já havia entrevistado outro ex-membro do Wagner Group que se disse disposto a relatar atrocidades cometidas pelos mercenários. Trata-se de Andrei Medvedev, que fugiu da Rússia rumo à Noruega em janeiro e foi preso por violar a lei de imigração.

O homem afirma ter lutado na Ucrânia durante quatro meses, antes de abandonar o front em novembro, quando a organização estendeu o contrato indefinidamente, mesmo contra a vontade dele. Enquanto lutava na região de Donbass, leste ucraniano, ele diz ter testemunhado uma série de crimes de guerra, incluindo execução de desertores pelo serviço de segurança interna do grupo.

As execuções sumárias de membros do Wagner têm sido amplamente denunciadas, inclusive por ex-integrantes do grupo. O próprio Prigozhin, que chegou a ir pessoalmente a alguns presídios recrutar criminosos, advertiu em um suposto vídeo, divulgado em setembro de 2022 pela equipe do oposicionista russo Alexei Navalny, que desertores seriam fuzilados.

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