Kiev se depara com destruição, morte e novos indícios de crimes de guerra em áreas reconquistadas

Na cidade de Izyum, região de Kharkiv, foi encontrada uma vala comum com cerca de 450 corpos, de acordo com autoridades ucranianas

Nos últimos dias, uma grande contraofensiva permitiu à Ucrânia reconquistar milhares de quilômetros quadrados de território antes controlados pelas forças russas. Quase toda a região de Kharkiv, no nordeste do país, retornou às mãos de Kiev. Conforme acessa as áreas antes sob o domínio de Moscou, o governo ucraniano diz que o cenário é de destruição e morte, com novos indícios de crimes de guerra. Algo semelhante ao que ocorreu em Bucha no início de abril.

Na quinta-feira (15), na cidade de Izyum, em Kharkiv, foi encontrada uma vala comum com cerca de 450 corpos, segundo autoridades ucranianas. Em Kupiansk, cerca de 70 quilômetros ao norte, o que se vê é uma cidade quase deserta, com rastros da ocupação espalhados por todos os lados, como bandeiras da Rússia e uma foto do presidente Vladimir Putin. Na cela de uma delegacia de polícia, o chão tinha marcas de sangue, segundo a agência Reuters.

Bomba russa que teria atingido hospital infantil em Kharkiv, na Ucrânia (Foto: reprodução/Facebook)

“A Rússia está deixando a morte para trás em todos os lugares e deve ser responsabilizada”, disse o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy em discurso em vídeo. “Bucha, Mariupol e agora, infelizmente, Izyum”, prosseguiu, citando outras cidades igualmente destruídas por Moscou e com sinais de crimes de guerra.

Mykhailo Podolyak, conselheiro de Zelensky, se manifestou sobre a devastação através do Twitter. Ele aproveitou para contestar a decisão da Alemanha de não enviar tanques e veículos blindados à Ucrânia, conforme declarou na segunda-feira (12) a ministra da Defesa alemã Christine Lambrecht.

“450 sepulturas… Apenas uma das valas comuns descobertas perto de Izyum. Durante meses, um terror desenfreado, violência, tortura e assassinatos em massa estavam nos territórios ocupados. Alguém mais quer ‘congelar a guerra’ em vez de enviar tanques? Não temos o direito de deixar as pessoas sozinhas com o Mal”, postou Podolyak.

O centro para Comunicações Estratégicas da Ucrânia afirmou, segundo a rede CNN, que algumas das covas encontradas palas forças ucranianas durante a retomada de Izyum são recentes. E que os corpos ali enterrados são “principalmente civis”.

Alvo de intensa artilharia russa em abril, a cidade tem importância estratégica para Moscou porque fica localizada perto da divisa entre as regiões de Kharkiv e Donetsk. É fundamental na rota de suprimentos das forças armadas russas, e sua retomada pela Ucrânia compromete as operações do Kremlin no leste ucraniano.

Sergei Bolvinov, investigador-chefe da polícia local, disse que as autoridades ucranianas estão preparadas para encontrar mais valas comuns em outras áreas de Kharkiv. Volodymyr Tymoshko, chefe da polícia nacional designado para a região, confirmou que mais um local já foi identificado, mas não revelou onde. “Pelas nossas estimativas, há mais de 440 corpos lá”, disse ele, segundo a rede Sky News.

Coleta de evidências

Na segunda (12), a ONG Anistia Internacional afirmou que a reconquista de território dá a Kiev a oportunidade de coletar evidências dos crimes de guerra atribuídos às tropas de Moscou.  Testemunhos, imagens de vídeo e fotografias são alguns dos formatos das provas a serem colhidas, segundo a entidade.

“A coleta de tais evidências é extremamente intensiva em recursos, por isso estamos pedindo à comunidade internacional que forneça recursos que ajudarão os esforços da Ucrânia. Todos os julgamentos em andamento e futuros sobre supostos crimes de guerra devem atender aos padrões de julgamento justo”, disse Marie Struthers, diretora da Anistia para Europa Oriental e Ásia Central.

Por que isso importa?

No início de agosto, o governo ucraniano disse que estão em andamento investigações de quase 26 mil crimes de guerra atribuídos às tropas russas durante o conflito. Segundo a procuradoria-geral do país, 135 pessoas estariam ligadas a esses crimes, sendo que 15 acusados estão sob custódia.

Yuriy Bilousov, chefe do departamento de crimes de guerra da procuradoria-geral ucraniana, disse que 13 casos de violação do direito internacional já foram levados aos tribunais, com sete sentenças emitidas. Entre elas a do soldado russo Vadim Shishimarin, primeiro militar a enfrentar um processo do gênero em quase meio ano de conflito. Ele foi condenado à prisão perpétua em maio, por matar um civil desarmado no dia 28 de fevereiro. 

As investigações de crimes de guerra conduzidas por Kiev contam com o suporte ocidental, que ajuda a financiar os esforços do governo ucraniano e também tem suas próprias equipes em ação. A Alemanha, por exemplo, disse no final de junho que analisa centenas de crimes de guerra possivelmente cometidos por tropas da Rússia.

Na mira das autoridades alemãs não estariam apenas os soldados do exército russo diretamente acusados de tais crimes. Também estariam sob investigação oficiais de alta patente e políticos suspeitos de ordenar os abusos.

Quem atua igualmente nesse sentido é o Tribunal Penal Internacional (TPI), que vê na guerra uma forma de reduzir as críticas recebidas desde sua fundação, há 20 anos. Nesse período, a corte conseguiu apenas três condenações por crimes de guerra e outras cinco por interferência na Justiça.

O TPI afirmou inclusive que planeja abrir ainda neste ano o primeiro caso contra as forças armadas da Rússia. Não foram revelados detalhes de qual poderia ser este primeiro processo, embora venha sendo debatida com Kiev a entrega de pelo menos um oficial russo ao tribunal. Trata-se de um prisioneiro de guerra disposto a testemunhar contra altos comandantes russos. 

No início de junho, a Comissão Europeia anunciou que destinaria 7,25 milhões de euros ao TPI, a fim de apoiar as investigações. “Neste contexto, é crucial garantir o armazenamento seguro de provas fora da Ucrânia, bem como apoiar as investigações e processos por várias autoridades judiciárias europeias e internacionais”, disse o órgão na ocasião.

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