Alemanha prende francesa acusada de crimes de guerra em nome do Estado Islâmico

Identificada apenas como Samra N., a mulher teria servido ao grupo extremista na Síria quando ainda era adolescente

Autoridades da Alemanha anunciaram nesta quinta-feira (30) a prisão de uma cidadã francesa acusada de crimes de guerra cometidos em nome do Estado Islâmico (EI) na Síria. Identificada apenas como Samra N., devido às leis de privacidade alemãs, ela foi detida na cidade de Trier, segundo a rede ABC News.

De acordo com o Ministério Público alemão, a mulher viajou à Síria pela primeira vez em setembro de 2013, quando ainda era adolescente, e então se juntou ao grupo radical Jabhat al-Nusra, afiliado à Al-Qaeda. Após se casar com um combatente, ela deixou a organização e, junto do marido, migrou para o EI.

Formalmente, Samra N. é acusada de recrutar novos seguidores para o EI na Alemanha, tendo inclusive dado abrigo na Síria a outra mulher que como ela resolveu jurar lealdade ao grupo terrorista. Ela também teria ajudado o marido a comprar armas e outros equipamentos de combate para a facção.

De volta à Alemanha em 2014, a acusada teria se mantido leal ao EI ao menos até 2015. Não está claro se ela manteve a radicalização depois desse período.

Em 2015, o jornal britânico The Guardian relatou que centenas de mulheres de nacionalidades europeias diversas vinham deixando seus países para se unir ao EI. A França, então, era a origem da maioria delas, 63. Havia o registro, ainda, de 40 alemãs que fizeram o mesmo.

Na ocasião, Louis Caprioli, ex-chefe de segurança do governo francês, disse que a maioria das mulheres parecia ter saído de casa para se casar com jihadistas, sob a ideia de apoiar seus “irmãos combatentes” e de ter “filhos jihadistas para continuar a propagação do Islã.”

Hoje, são cada vez mais comuns os casos de mulheres que voltam à Europa após servirem à organização extremista e acabam presas por crimes cometidos durante o período de filiação. Existem, ainda, ao menos oito mil pessoas de 60 nacionalidades diferentes no campo de refugiados e deslocados de Al-Hol, na Síria. Elas serviram ao EI e por isso não conseguem retornar a seus países de origem.

Membros do Estado Islâmico no deserto de Homs, Síria (Foto: Observatório Sírio para os Direitos Humanos)
Por que isso importa?

O EI passa por um processo de enfraquecimento que começou com a derrota da organização em seus dois principais redutos. No Iraque, o exército iraquiano retomou todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela facão extremista na Síria.

De acordo com relatório divulgado em agosto de 2023 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o EI “continua a comandar entre cinco mil e sete mil membros em todo o Iraque e na República Árabe da Síria, a maioria dos quais combatentes.” No entanto, “adotou deliberadamente uma estratégia para reduzir os ataques, a fim de facilitar o recrutamento e a reorganização.”

Atualmente, a maioria dos líderes do EI permanece no noroeste da Síria, mas “o grupo realocou algumas figuras-chave para outros lugares.” Um continente de forte presença da organização é a África, com afiliados locais representando uma ameaça constante aos governos da região.

Um desses afiliados é o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), que ampliou sua área de atuação, com aumento de ataques no Mali e, em menor escala, em Burkina Faso e no Níger. Recentemente, tem feito esforços para estabelecer “um corredor para a Nigéria para fins logísticos, de abastecimento e recrutamento, possivelmente em colaboração com o ISWAP” (Estado Islâmico da África Ocidental).

A avaliação da equipe de monitoramento da ONU, entregue ao Conselho de Segurança no final de julho, surge em meio a mais um momento crucial da luta contra o terrorismo. Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu diversos duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo.

O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.

“Apesar do progresso feito no direcionamento de suas operações financeiras e quadros de liderança, a ameaça representada pelo Daesh (sigla árabe para se referir ao grupo) e suas afiliadas regionais permaneceu alta e dinâmica nas amplas áreas geográficas onde está presente”, diz o relatório, citando a África como uma região de particular preocupação.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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