Jornalista belarusso preso após ter voo desviado se declara culpado em julgamento

Roman Protasevich estava em um avião que foi forçado a pousar sob falsa ameaça de bomba. Ele a companheira foram detidos

O jornalista belarusso Roman Protasevich, preso em maio de 2021 após ter seu voo desviado por ordens do presidente Alexander Lukashenko, se declarou culpado dos crimes dos quais é acusado. O julgamento dele teve início na quinta-feira (16), segundo informou a organização de direitos humanos Viasna.

Protasevich era editor do Nexta, um canal do aplicativo de mensagens Telegram que exerceu papel crucial na convocação dos cidadãos de Belarus para os protestos de 2020. Na ocasião, milhares de belarussos foram às ruas protestar contra a reeleição de Lukashenko, em um pleito com fortes indícios de fraude para beneficiar o ditador.

Em 23 de maio de 2021, Protasevich e a companheira dele, Sofia Sapega, estavam em um voo que seguia de Atenas, na Grécia, a Vilnius, na Lituânia. A aeronave foi forçada a pousar em Belarus sob escolta de jatos da força aérea belarussa. Uma ameaça de bomba foi usada como justificativa para a aterrisagem em Minsk. Ambos foram detidos no episódio, numa ação internacionalmente classificada como “sequestro estatal”.

O jornalista Roman Protasevich na entrevista em que “confessou crimes” (Foto: Reprodução/Youtube/ONT)

O casal foi colocado em prisão domiciliar, aguardando julgamento. A prisão deles gerou protestos internacionais e rendeu novas sanções ocidentais ao país liderado por Lukashenko. Entre elas, a determinação de União Europeia (UE) e Reino Unido para que companhias aéreas evitassem o espaço aéreo belarusso.

Em maio de 2022, em julgamento fechado, a Justiça de Belarus condenou Sapega a seis anos de prisão. Ela foi considerada culpada de “incitar a inimizade social e a discórdia”, além de receber multa de 175 mil rublos belarussos (cerca de R$ 361 mil no câmbio atual). Também foi responsabilizada pela coleta e divulgação ilegal de informações sobre a vida privada de uma pessoa não identificada.

Já Protasevich gravou um vídeo no qual se declarou culpado de “perturbar a ordem pública”. Por ter feito isso, foi autorizado a permanecer em prisão domiciliar até o fim do julgamento. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), porém, as declarações do jornalista foram obtidas pelo governo belarusso mediante coação.

Atualmente, pesam contra ele 1.586 acusações criminais, entre elas criação de uma organização terrorista, conspiração para tomar o poder, organização de tumultos e insulto ao presidente de Belarus.

“Estou pronto para qualquer resultado, moral e psicologicamente. Nada depende de mim”, declarou Protasevich durante o julgamento, segundo o jornal independente The Moscow Times.

Junto com ele estão sendo julgados, porém à revelia, os também jornalistas Stepan Putilo e Yan Rudik, que deixaram o país. Também há contra o trio uma ação civil com pedido de indenização de 30 milhões de rublos belarussos (R$ 61,9 milhões).

Por que isso importa?

Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições no ano passado.

O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição de 2020, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente Natalya Eismont chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.

Desde que os protestos populares tomaram as ruas do país após o controverso pleito, as autoridades belarussas têm sufocado ONGs e a mídia independente, parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. A organização de direitos humanos Viasna diz que há atualmente mais de 1,4 mil prisioneiros políticos no país.

O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como ele lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”. Em determinado momento, o presidente recomendou “vodka e sauna” para tratar a doença.

Já o distanciamento entre o país e o Ocidente aumentou com a guerra na Ucrânia, vez que Belarus é aliada da Rússia e permitiu que tropas de Moscou usassem o território belarusso para realizar a invasão.

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