A ameaça de bomba usada por Belarus para justificar o pouso forçado de um avião em Minsk, procedimento que levou à prisão do jornalista belarusso Roman Protasevich, em maio de 2021, era “deliberadamente falsa”. É o que aponta um relatório divulgado na quarta-feira (19) pela Icao (Organização da Aviação Civil Internacional, da sigla em inglês), uma agência da ONU (Organização das Nações Unidas).
“Como nem uma bomba nem evidências de sua existência foram encontradas durante a triagem antes da partida em Atenas, Grécia, e após várias buscas ao avião em Belarus e na Lituânia, considera-se que a ameaça de bomba era deliberadamente falsa”, diz o documento.
O relatório afirma que o Departamento de Aviação de Belarus recebeu um e-mail em 23 de maio com a ameaça: “Nós, soldados do Hamas, exigimos que Israel cesse fogo na Faixa de Gaza. Exigimos que a União Europeia (UE) abandone o seu apoio a Israel nesta guerra. Sabemos que os participantes do Delphi Economic Forum estão voltando para casa no dia 23 de maio através do voo FR4978. Uma bomba foi plantada nesta aeronave. Se vocês não atenderem às nossas demandas, a bomba explodirá em 23 de maio”.
Em virtude do risco, Belarus enviou um jato militar para escoltar o voo em questão, da companhia aérea Ryanair, que seguia de Atenas, na Grécia, a Vilnius, na Lituânia. Assim, o avião foi forçado a pousar em Minsk, onde foram presos tanto o jornalista dissidente belarusso Roman Protasevich quanto a namorada dele, a russa Sofia Sapega.
No dia 31 de janeiro, a Icao se reunirá para analisar o resultado da investigação e a possibilidade de impor sanções a Belarus. Devido ao incidente, a UE e o Reino Unido já determinaram que as companhias aéreas evitem o espaço aéreo belarusso. Também proibiram as operações em seus territórios da Belavia, principal companhia aérea de Belarus.
Confissão sob coação
Protasevich, que cumpre prisão domiciliar, apareceu em público dez dias após sua detenção e se declarou culpado de “perturbar a ordem pública” nos protestos contrários à sexta reeleição do presidente Aleksander Lukashenko, em agosto de 2020. Com os pulsos feridos pelo uso de algemas e abatido, o profissional jurou “respeito incondicional” ao ao mandatário.
“Admito que fui uma das pessoas que publicou apelos para ir às ruas em 9 de agosto. Assim que vi os documentos e a acusação, me declarei imediatamente culpado”, disse ele em entrevista transmitida pela emissora belarussa ONT. Em seguida, citou o artigo do Código Penal que impede a organização de protestos não autorizados.
Em junho, dois meses após o vídeo ter sido publicado, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) afirmou que as declarações de Protasevich foram obtidas pelo governo belarusso mediante coação. E pediu o fim das confissões forçadas, em especial de jornalistas, na Rússia e em Belarus.
Por que isso importa?
Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições de 2020.
O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente, Natalya Eismont, chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.
Desde que os protestos começaram, após o controverso pleito, as autoridades do país têm sufocado ONGs e a mídia independente, como parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. Ativistas de direitos humanos dizem que há atualmente mais de 800 prisioneiros políticos no país.
O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como Lukashenko lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”. Em determinado momento, o presidente recomendou “vodka e sauna” para tratar a doença.
No final de 2021, Belarus passou a sofrer acusações também da União Europeia (UE), por patrocinar a tentativa de migrantes e deslocados ingressarem no bloco. São expatriados do Oriente Médio, do Sudeste Asiático e da África que tentam cruzar as fronteiras com Polônia, Lituânia e Estônia.
As autoridades belarussas negam as acusações e direcionam ataques à UE, usando como argumento o fato de que Bruxelas não estaria oferecendo passagem segura aos migrantes, que estariam enfrentando um frio congelante enquanto os países medem forças.