Após revelar áudio militar confidencial, Rússia acusa a Alemanha de planejar um ataque

Gravação vazada de uma reunião da cúpula militar alemã mostra oficiais debatendo o envio de mísseis Taurus às tropas da Ucrânia

A Rússia alega que os áudios confidenciais divulgados nas redes sociais russas na semana passada, que revelam detalhes de reuniões da cúpula militar da Alemanha, sugerem um plano de Berlim para realizar ataques em território russo. As informações são da agência Reuters.

A divulgação do conteúdo das conversas entre os oficiais alemães, na sexta-feira (1º), aumentou ainda mais a já elevada tensão diplomática entre os dois governos. Berlim acusa o Kremlin de estar por trás do vazamento, parte do que seria uma “guerra de informação” travada pelo presidente Vladimir Putin.

A Rússia, por sua vez, usou o episódio para aumentar a pressão sobre o Ocidente, sob a alegação de que os aliados da Ucrânia têm planos de ingressar efetivamente na guerra em curso na Europa. O Kremlin ainda convocou o embaixador alemão para dar explicações.

“A própria gravação diz que dentro das Bundeswehr (as Forças Armadas alemãs) os planos para lançar ataques em território russo estão sendo discutidos de forma substantiva e concreta. Isso não requer qualquer interpretação jurídica. Tudo aqui é mais que óbvio”, disse o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov.

Ainda segundo Peskov, não é possível dizer se as conversas ocorreram com ou sem o conhecimento do chanceler Olaf Scholz. “Então, a questão é: quão controlável são as Bundeswehr e até que ponto Scholz controla a situação? Ou isso faz parte da política do governo alemão?”

Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, fevereiro de 2022: crise diplomática com Moscou (Foto: WikiCommons)

O porta-voz avaliou ambos os cenários como “muito ruins”, pois “enfatizam mais uma vez o envolvimento direto dos países do Ocidente coletivo no conflito em torno da Ucrânia.”

O episódio dos áudios vazados se soma a outro recente usado por Moscou para argumentar que os aliados ocidentais planejam entrar efetivamente na guerra. Na semana passada, o presidente da França, Emanuel Macron, deixou no ar a possibilidade de enviar tropas à Ucrânia.

“Nada deve ser descartado. Faremos tudo o que for necessário para que a Rússia não possa vencer a guerra”, disse Macron na oportunidade, segundo a rede CNN. “Estamos em um momento crítico deste conflito que exige que tomemos a iniciativa.”

Mísseis alemães na Ucrânia

O áudio, que totaliza 38 minutos, foi divulgado por Margarita Simonyan, editora-chefe do grupo de mídia RT (antigo Russia Today), que é controlado pelo Estado russo. Ela não disse como foram obtidas as gravações.

O material mostra militares alemães de alta patente, principalmente da Força Aérea, debatendo o possível uso na guerra da Ucrânia de seus mísseis Taurus, cuja entrega a Kiev vem sendo avaliada. Berlim acusa Moscou de usar escutas para gravar a reunião e assim desestabilizar a aliança ocidental e seu apoio à Ucrânia.

“É parte de uma guerra de informação que Putin está travando”, disse no domingo (3) o ministro da Defesa alemão Boris Pistorius, segundo a agência Associated Press (AP). “É um ataque híbrido que visa a desinformação. Trata-se de divisão. Trata-se de minar a nossa determinação.”

A Alemanha está relutante quanto ao envio dos mísseis, sob o argumento de que isso poderia ser interpretado como um envolvimento direto no conflito, embora o país já seja o segundo maior fornecedor de ajuda militar à Ucrânia.

No entanto, diferente de outras armas fornecidas por Berlim, como tanques blindados, os mísseis têm um alcance de até 500 quilômetros e poderiam ser usados para atacar o território russo. Na semana passada, o chanceler alemão mostrou-se reticente em atender ao pedido ucraniano, mas não tomou uma decisão, conforme relatou a AP.

Ele explicou que, embora tenham aceitado fornecer armas semelhantes, no caso os mísseis Storm Shadow e Scalp, Reino Unido e França têm condições de limitar o uso de suas armas por parte das forças ucranianas, impedindo assim ataques contra a Rússia. O mesmo não vale para os mísseis Taurus.

“O que está sendo feito em termos de controle de alvos e acompanhamento do controle de alvos por parte de britânicos e franceses não pode ser feito na Alemanha. Todo mundo que já lidou com esse sistema (o Taurus) sabe disso”, afirmou Scholz na ocasião.

Combate à espionagem russa

Importante apoiadora da Ucrânia na guerra, Berlim trava uma dura luta contra a inteligência russa desde o início do conflito. Relatório divulgado em 2022 pelo Escritório Federal para a Proteção da Constituição (BfV, na sigla em alemão), o serviço de inteligência doméstico alemão, destaca as campanhas de desinformação como principal arma russa no país.

A Alemanha é a nação com maiores população e economia dentro da União Europeia (UE), o que a torna forte influenciadora no bloco e ajuda a explicar o interesse de Moscou. Thomas Haldenwang, que chefia o BfV, afirmou em 2022 que há um “grande número de agentes” russos na Alemanha, quase sempre próximos a pessoas poderosas.

Nos últimos anos, para conter o problema, o governo alemão expulsou dezenas de supostos diplomatas russos acusados de atuarem como espiões disfarçados. No final de maio de 2023, Berlim ainda anunciou que quatro dos cinco consulados da Rússia no país teriam suas licenças revogadas, sendo, portanto, fechados.

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