Ativista ambiental anuncia a perda da cidadania russa: “Eu sou apátrida”

Arshak Makichyan vive na Alemanha desde março, quando o Kremlin apertou o cerco contra os manifestantes antiguerra

O governo da Rússia anunciou nesta segunda-feira (31) que retirou a cidadania do ativista ambiental Arshak Makichyan. Nascido na Armênia, ele era cidadão russo há mais de 20 anos e passou quase toda a vida em Moscou. Ele próprio anunciou a decisão judicial em sua conta no Instagram: “Eu sou apátrida”, disse.

No post, Makichyan alegou que todo o processo foi “absurdo e torturante”. “Eu havia preparado um breve discurso para o julgamento desta segunda-feira, mas agora me parece superficial. Levará muito tempo até que todos consigamos entender essa nova ferramenta de repressão contra ativistas e minorias na Rússia”.

Makichyan e a mulher, a russa Polina Oleinikova, seguiram para a Alemanha em março, quando o Kremlin apertou o cerco contra os manifestantes antiguerra. Foi naquele mês que entrou em vigor no país a lei que pune quem “desacreditar as forças armadas” ou divulgar o que o governo considere “notícias falsas” sobre o conflito.

Velho conhecido das autoridades russas, tendo sido preso diversas vezes por realizar protestos solitários, a maioria contra as mudanças climáticas, Makichyan passou a enfrentar neste ano o processo de perda de cidadania. A Justiça alega que a obtenção do direito aconteceu através de um processo ilegal, enquanto ele diz que as acusações têm motivação meramente política.

Legalmente, o caso de Makichyan gera debate e é inédito. A Justiça argumenta que ele deu informações incorretas quando obteve a cidadania. Cita como exemplo o endereço de residência do ativista, que difere daquele cadastrado pelo governo. Também alega que alguns documentos necessários para o processo de cidadania foram “perdidos”.

Arshak Makichyan em protesto contra as mudanças climáticas, janeiro de 2022 (Foto: reprodução/Facebook)
Pressão governamental

presidente Vladimir Putin apertou o cerco legalmente contra aqueles que obtiveram a cidadania russa ao longo da vida, não por nascimento. Em junho, ele propôs que a lei permita a “rescisão de cidadania” em casos de traição, espionagem e tráfico de drogas. A iniciativa, porém, ainda não foi convertida em lei.

Em abril deste ano, já com a guerra em andamento, o legislador Vyacheslav Volodin sugeriu que fosse retirada a cidadania daqueles que o governo considerasse traidores por se oporem à “operação militar especial” de Moscou na Ucrânia. E lamentou que “não houvesse nenhum procedimento para revogar a cidadania e impedi-los de entrar em nosso país”. A proposta foi considerada inconstitucional.

Makichyan chegou a ser questionado por outro legislador governista, Alexander Khinshtein, sobre o que o leva a protestar contra o país. “Por que você precisa de um passaporte russo se odeia seu país e seu povo?”, perguntou o político.

O ativista contesta o argumento. “Faço ativismo há três anos e arrisco minha liberdade por um belo futuro russo, e a Rússia é muito importante para mim”, respondeu ele.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada por Putin no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como GeórgiaMongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação não é unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos. 

Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.

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