Belarus realiza operações contra ‘embaixadas populares’, inclusive no Brasil

Medidas repressivas representam a mais recente ameaça do regime de Alexander Lukashenko à dissidência no exterior

As autoridades belarussas coordenaram dezenas de batidas na quarta-feira (20), visando suspeitos de atividades “extremistas” ligadas aos esforços da oposição para estabelecer “embaixadas populares” no exterior. As ações representam a mais recente repressão do governo de Alexander Lukashenko contra a dissidência. As informações são da agência Associated Press.

O Comitê de Investigação de Belarus conduziu buscas em apartamentos e escritórios de indivíduos suspeitos de envolvimento. A oposição belarussa anunciou planos de criar “embaixadas populares” em 24 países, incluindo membros da União Europeia (UE), Reino Unido, Canadá, Austrália e Brasil, para representar seus interesses e combater a propaganda estatal.

No Brasil, o grupo Embaixada Popular de Belarus, que faz oposição a Lukashenko e apoia dissidentes em todo o mundo, se manifestou.

“Na quarta-feira, o Comitê de Investigação do regime belarusso anunciou que iniciou processos contra membros das embaixadas populares, acusando-os de formar e agir como uma organização extremista. Eles classificam como extremista qualquer pessoa que se pronuncie contra o regime. Essa prática tem sido adotada nos últimos três anos pela polícia e pela KGB, que elaboram listas de pessoas, organizações e materiais considerados extremistas”, explicou Volha Yermalayeva Franco, representante da entidade, à Referência.

Presidente de Belarus, Alexander Lukashenko (Foto: Departamento de Estado dos EUA/Reprodução)

Segundo ela, nessa lista entram os dissidentes, incluindo os presos políticos que já estão detidos. Organizações não governamentais também estão na mira do regime. E a internet não é zona livre de expressão.

“Praticamente todas as ONGs em Belarus também foram declaradas extremistas e fechadas por eles, além de várias páginas nas redes sociais, tanto pessoais quanto de organizações. Inclusive, as redes das embaixadas populares, tanto os canais gerais quanto os de certos países, foram consideradas extremistas pelo regime. Isso implica que, por exemplo, as pessoas em Belarus que compartilham conteúdo desses canais considerados extremistas pelo regime podem ser presas e condenadas a até dois ou três anos de prisão”, detalhou Volha.

A belarussa disse que a perseguição do Estado se estende a familiares.

“Um problema maior é que nós temos parentes em Belarus. Temos parentes, temos amigos e já existe essa prática de condenar parentes das pessoas que estão ativas politicamente no exterior, que se pronunciam contra o ditador e que estão fora do país. Então, como eles não conseguem nos pegar, eles prendem nossos parentes”, contou.

Segundo Volha, em alguns países, as embaixadas populares contam com mais apoio diplomático, realizam encontros com governos locais e políticos que ajudam a manter a causa “atualizada e viva”, destacando que Belarus continua enfrentando repressão cada vez mais severa.

“Aqui no Brasil, focamos mais em eventos culturais e diplomacia cultural, lembrando que por meio da cultura também podemos expressar nossa causa. Por exemplo, a Embaixada Popular, junto com o projeto Postais da Liberdade da diáspora belarussa, reúne poesias escritas por presos políticos em Belarus. Esses poemas, belos e significativos, são coletados em nosso site e traduzidos para diversos idiomas, incluindo português, inglês, alemão, espanhol e outros. Participamos ativamente desses projetos e eventos culturais, fazendo o possível para contribuir”.

“Desacreditar o país”

O porta-voz do Comitê de Investigação, Siarhei Kabakovich, declarou que os envolvidos na tentativa de estabelecer “pseudo-embaixadas” estão promovendo “campanhas de informação para desacreditar o país”, dificultando o contato dos diplomatas belarussos com autoridades estrangeiras e organizações, o que ameaça a segurança nacional.

O Comitê Investigativo informou que mais de 100 belarussos envolvidos no esforço podem ser acusados de “atividades extremistas”, sujeitos a penas de até sete anos de prisão e perda de seus bens.

Por que isso importa?

Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições no ano passado.

O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição de 2020, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente Natalya Eismont chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.

Desde que os protestos populares tomaram as ruas do país após o controverso pleito, as autoridades belarussas têm sufocado ONGs e a mídia independente, parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. A organização de direitos humanos Viasna diz que há atualmente quase de 1,5 mil prisioneiros políticos no país.

O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como ele lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”. Em determinado momento, o presidente recomendou “vodka e sauna” para tratar a doença.

A violenta repressão imposta por Lukashenko levou muitos oposicionistas a deixarem o país. Aqueles que não fugiram são perseguidos pelas autoridades e invariavelmente presos. É o caso de Sergei Tikhanovsky, que cumpre uma pena de quase 20 anos de prisão sob acusações consideradas politicamente motivadas. Ele é marido de Sviatlana Tsikhanouskaia, candidata derrotada na eleição presidencial e hoje exilada.

Já o distanciamento entre o país e o Ocidente aumentou com a guerra na Ucrânia, vez que Belarus é aliada da Rússia e permitiu que tropas de Moscou usassem o território belarusso para realizar a invasão.

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