Empresa russa contorna sanções e importa peças de aviação ocidentais

Dados alfandegários mostram como um grande fabricante de jatos militares mantém acesso a peças de países como EUA e Alemanha

Contra a parede por conta de pesadas sanções ocidentais, a Rússia assiste à sua economia passar por maus bocados. As importações interrompidas balançaram as cadeias de suprimentos, de onde vêm peças e mercadorias estrangeiras cruciais. 

Mas, apesar de estar afundada em punições da comunidade internacional decorrentes da invasão à Ucrânia em fevereiro de 2022, Moscou arrumou um jeito de driblar tais adversidades e buscou novos intercâmbios. Como é o caso de uma fabricante russa de destaque no mercado, que continuou a importar peças de aviação.

Dados alfandegários obtidos pela reportagem da rede Radio Free Europe revelam que mais de US$ 8 milhões em peças foram importados para a Rússia entre janeiro de 2022 e julho de 2023, sendo mais da metade proveniente da Alemanha, especialmente de uma fábrica vinculada à Honeywell, uma corporação dos EUA. A principal destinatária dessas importações foi a Yakovlev, anteriormente conhecida como Irkut, com uma planta-chave localizada em Irkutsk, na Sibéria.

A Yakovlev é conhecida por produzir aeronaves como os caças Su-30MK e Su-30CM, amplamente utilizados na guerra de agressão russa em território ucraniano. Além disso, fabrica o jato de treinamento Yak-130 e fornece componentes para o Airbus A320, MC-21 e Sukhoi Superjet 100.

Dados da ONG Centro de Estudos Avançados de Defesa (C4ADS, da sigla em inglês), revelam importações de componentes avançados pela Irkut, indicando possível uso militar no Su-30 e outras aeronaves. Esses incluem controladores elétricos, equipamentos de navegação e módulos de sistemas automáticos.

Caça Sukhoi Su-30, da força aérea russa (Foto: WikiCommons)

Questionada pela reportagem, a Honeywell afirmou que não fez vendas ou serviços para a Irkut Corporation desde 24 de fevereiro de 2022 e bloqueou todas as transações com a empresa nessa data. Isso ocorreu em resposta à invasão russa, e a Honeywell alega ter encerrado completamente suas operações no país em 9 de março de 2022. A empresa assegurou estar em “conformidade com as leis de exportação e sanções aplicáveis”.

Em 2006, por ordem do presidente Vladimir Putin, a Irkut e outras empresas aeronáuticas russas foram reunidas na United Aircraft Corporation. Essa corporação faz parte da Rostec, controlada pelo Estado e liderada por Sergei Chemezov, ex-KGB que trabalhou com o chefe do Kremlin nos anos 80.

Em 2014, a União Europeia (UE) e os EUA impuseram sanções à Rússia após a anexação da Crimeia. Após a invasão total da Ucrânia, a Irkut, seguida pela Yakovlev, foi alvo de novas sanções ocidentais devido à produção dos caças Su-30.

Peças indisponíveis

A indústria aeronáutica russa está enfrentando problemas crescentes devido à dificuldade em manter jatos ocidentais, como Boeing e Airbus, usados ​​em grande parte nas frotas comerciais. Os jatos russos Tupolev e Ilyushin são mais fáceis de manter devido à disponibilidade de peças de reposição.

Para superar essa situação, especialistas observam que o governo russo tem investido na reconstrução das cadeias de suprimentos domésticas para aviação civil e militar, que foram prejudicadas por dependerem demais de cadeias globais. As sanções ocidentais também afetaram as cadeias de suprimentos de diversos produtos russos importados.

A Yakovlev planeja ajustar sua linha de produção para fabricar motores e peças de reposição, mas ainda depende significativamente de importações de peças do Ocidente. Segundo Aleksandr Lanetsky, diretor da Friendly Avia Support, uma empresa de consultoria na área de aviação, a falta de disponibilidade de componentes ocidentais está gerando desafios significativos, pois “reiniciar o processo é complicado”. Ele destaca que as sanções têm um impacto acumulativo, tornando a situação “cada vez mais difícil” com o tempo.

Vladimir Milov, ex-vice-ministro da Energia russo e crítico do Kremlin, destacou que empresas europeias e ocidentais não desejam sanções contra a Rússia. Ele observa que estão buscando oportunidades para fornecer produtos, explorando lacunas legais. Milov destaca a falta de um mecanismo executivo eficaz para monitorar a implementação de sanções, o que permite que as empresas encontrem brechas.

Assistência chinesa

Na contramão das sanções ocidentais impostas a Moscou em função do conflito e à sua alegada posição de neutralidade com a guerra em andamento no leste europeu, Beijing tem enviado a empresas de defesa do Kremlin embargadas itens proibidos, como equipamentos de navegação, tecnologia de interferência e peças de caças.

Com base em registros de alfândega fornecidos pela C4ADS em julho de 2022, em fevereiro do ano passado o Wall Street Journal (WSJ) denunciou que a China enviou dezenas de milhares de remessas de tecnologias de uso duplo, civil e militar, ao complexo militar-industrial russo.

Tags: