Líder do Pussy Riot foge da Rússia disfarçada de entregadora de comida

Artista e ativista Maria Alekhina havia sido colocada na lista de fugitivos e conseguiu despistar as autoridades para deixar o país

Maria Alekhina, ativista do Pussy Riot, banda russa que se tornou símbolo de protesto contra o governo de seu país, teria fugido da Rússia disfarçada de entregadora de comida, após ser presa diversas vezes por disparar críticas contra o presidente Vladimir Putin. As informações são da rede Sky News.

Em entrevista ao jornal The New York Times publicada na terça-feira (10), ela contou que, com a ajuda de amigos, fugiu de Moscou rumo à Lituânia, deixando o celular para trás para não correr o risco de ser rastreada. Alekhina levou uma semana para chegar a Vilnius e comparou sua fuga a um romance de espionagem.

“Fiquei feliz por ter conseguido, porque foi um grande e imprevisível beijo para as autoridades russas”, ironizou ela ao veículo nova-iorquino.

Maria Alekhina conseguiu escapar da prisão domiciliar vestindo uma roupa de entregador de comida (Foto: reprodução/Instagram)

Os planos de Alekhina fora de sua terra natal incluem um reencontro com suas parceiras de banda para caírem na estrada em turnê pela Europa, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a Ucrânia, devastada desde a invasão de seus compatriotas russos.

Segundo o jornal independente The Moscow Times, as integrantes do Pussy Riot dizem que a vocalista não fugiu da Rússia e que a saída dela do país já havia sido previamente planejada de forma a coincidir com a turnê.

Na mira da Justiça

Fato é que a situação de Alekhina era complicada na Rússia. Em setembro de 2021, ela foi condenada e teve a pena suspensa, o que equivale a liberdade condicional. A acusação foi a de incitar outras pessoas a quebrarem as regras de quarentena de Covid-19, por ter convocado protestos populares contra Putin.

No mês passado, a pena suspensa foi convertida em prisão efetiva por 21 dias, e ela foi declarada fugitiva. Na ocasião, através do Instagram, a ativista alegou que a conversão da pena ocorreu porque ela cortou a tornozeleira eletrônica que uma corte russa a obrigou a utilizar. A atitude de destruir o aparato tecnológico teria sido um protesto antiguerra.

No mesmo post, Alekhina disse que se as detenções tornaram-se habituais. “Passei um total de 90 dias em vários centros de detenção especial em Moscou. Isso é ilegal e injusto. De 27 de fevereiro de 2022 a 30 de março de 2022, fui novamente detida ilegalmente e colocada em um centro de detenção especial”.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas da Rússia desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Em abril, ela foi contratada como correspondente freelancer do jornal alemão Die Welt.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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