Milícia neonazista repete o Wagner Group e se ergue contra o regime de Putin

Insatisfação de mercenários e a falta de perspectiva na guerra estaria por trás de uma derrota estratégica sofrida pela Rússia

O Wagner Group é o mais famoso, mas não o único exército privado a serviço do Kremlin. Ultimamente, mais uma dessas facções teria se erguido contra o regime de Vladimir Putin, assim como os mercenários antes comandos pelo empresário Evgeny Prigozhin, morto no dia 23 de agosto na misteriosa queda de um jato privado. Trata-se da milícia neonazista Rusich, que, segundo o projeto de pesquisas Antifascist Europe (Europa Antifascista, em tradução literal), teria se rebelado e levado a Rússia a perder o controle de uma cidade de importância estratégica.

Mercenários a serviço do Rusich foram inseridos na guerra da Ucrânia para dar suporte às forças russas, recebendo a missão de invadir a cidade de Robotyne. O vilarejo, com cerca de 500 habitantes, tem importância estratégica, pois é cortado por uma rodovia que está na importante rota rumo a Melitopol, no oblast de Zaporizhzhya, porta de entrada para a Crimeia.

Entretanto, na última semana de agosto, o grupo paramilitar teria largado suas armas e parado de lutar em Robotyne. Tudo porque Yan Petrovsky, um dos fundadores do Rusich, foi preso na Finlândia e aguarda uma possível extradição para a Ucrânia, onde seria julgado por terrorismo. Na visão dos mercenários, o Kremlin pouco fez para libertá-lo.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin (Foto: Wikimedia Commons)

Petrovsky fundou o Rusich em 2014, durante a ocupação russa em Donbass, no leste ucraniano. Era inicialmente uma facção do Wagner Group, mas com o tempo ganhou independência e passou a executar suas próprias missões a serviço do governo russo.

Devido a atrocidades supostamente cometidas pela milícia em Donbass, o líder enfrenta uma pena de até 20 anos de prisão caso seja julgado por Kiev. Ele foi detido no dia 20 de julho no aeroporto de Helsinki, quando se preparava para embarcar rumo a Nice, na França. Ante à inércia do Kremlin, os paramilitares manifestaram sua insatisfação através do aplicativo de mensagens Telegram.

Na visão deles, Moscou deveria ter agido para tentar impedir a extradição. “O Ministério das Relações Exteriores da Rússia não reagiu nem publicamente nem nos bastidores. De jeito nenhum. Desde 20 de julho, Yan Petrovsky não recebe a visita de um cônsul ou advogado russo”, disse um mercenário através do Telegram.

A queda de Robotyne

Embora não exista uma confirmação oficial sobre o motim do Rusich, analistas creditam a ele a queda de Robotyne, cuja reconquista foi anunciada por Kiev em 28 de agosto. Segundo o jornal independente The Moscow Times, um oficial russo instalado no sul da Ucrânia confirmou nesta semana a informação, dizendo que o exército “abandonou taticamente este assentamento.”

Para analistas, porém, o argumento da “retirada tática” é uma tentativa de esconder a dura realidade das forças armadas. Quem primeiro chamou a atenção para as dificuldades enfrentadas por Moscou foi o think tank norte-americano Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, da sigla em inglês).

Pouco antes da queda de Robotyne, o ISW avaliou a cidade como “uma área crítica da linha de frente, onde o comando militar russo provavelmente não pode pagar por nenhuma unidade.” E afirmou que o Rusich havia se recusado “a realizar missões de combate na Ucrânia até que o governo russo garanta a libertação do comandante do Rusich e membro fundador Yan Petrovsky.”

Jeff Hawn, analista do think tank New Lines Institute, com sede em Washington, reforçou tais suspeitas, de acordo com a rede France 24. Diz ele que a relação entre o motim e a derrota russa é “uma possibilidade muito forte”, acrescentando que o efetivo reduzido impede Moscou de manter uma operação caso uma unidade não mais possa combater, seja ela militar ou paramilitar. 

Entretanto, o analista alerta que o problema pode ser mais sério, com a prisão de Petrovsky tendo sido usada apenas como pretexto. “Esses caras provavelmente estão apenas procurando uma desculpa para sair”, disse ele. “Eles estão percebendo que a Ucrânia não vai simplesmente quebrar e desistir.”

Saudade de Prigozhin

Aí surge outro fator decisivo para a insatisfação dos mercenários do Rusich, algo que pode se espalhar com o tempo: a morte de Prigozhin. Hawn explica que o Wagner Group, moribundo desde que perdeu seu líder após um fracassado levante contra Putin, funcionava como guarda-chuva para muitos grupos paramilitares, e o empresário garantia que todos recebessem a devida atenção do governo.

“Mesmo tendo a reputação de ser um cara durão, um bandido, Prigozhin era conhecido por cuidar bem de seu povo, pagando-lhes mais e em moeda forte”, disse o analista, segundo quem os mercenários agora sofrem inclusive com a má remuneração. “Eles provavelmente estão sendo pagos em rublos agora. Se é que estão sendo pagos.”

Não é só dinheiro que falta aos grupos paramilitares desde a morte de Prigozhin, na visão de Hawn. “Eles provavelmente também não estão sendo equipados, porque os grupos de milícias estão no extremo mais baixo da pirâmide quando se trata da logística russa, que já está completamente sobrecarregada.”

De acordo com o analista, o problema de Moscou pode aumentar, dado o risco de os mercenários mudarem de lado.

“Não me surpreenderia se alguns destes rapazes se arrependessem e subitamente se juntassem à Legião Russa Livre, especialmente se fossem pagos em dólares”, disse, citando um grupo de combatentes russos pró-Kiev que afirmou ter realizado vários ataques na região russa de Belgorod nos últimos meses. “Acho que o incidente em Robotyne é significativo, um sinal de que mais coisas estão por vir.”

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