O que a derrota da Ucrânia significaria para os EUA, a Europa e o mundo

Artigo diz que o fracasso ucraniano comprometeria o papel de Washington como maior potência militar global e fortaleceria seus inimigos

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site do think tank Royal United Services Institute (RUSI)

Por Oleksandr V. Danylyuk

A guerra russa na Ucrânia assumiu finalmente o caráter de uma guerra prolongada. E, como é característico de qualquer guerra prolongada, degradar a vontade do inimigo de continuar a luta tornou-se um dos objetivos mais importantes sobre os quais os esforços militares e não militares do Kremlin estão concentrados. Os ataques com mísseis contra cidades ucranianas durante o Natal e o Ano Novo, bem como o trabalho persistente dos serviços especiais russos para minar o apoio à Ucrânia na Otan e nos países da União Europeia (UE), realizados com a ajuda de numerosos agentes de influência, incluindo políticos, jornalistas e especialistas nestes países, são ambos concebidos para atingir este objetivo.

Na Ucrânia, apesar de já quase dois anos de conflito devastador, mais de 74% da população ainda é a favor da continuação da guerra até à libertação completa de todos os territórios ocupados. No Ocidente, porém, tanto as atitudes públicas como as atitudes das elites dominantes mostram sinais de fadiga, colocando em risco o volume da assistência técnico-militar à Ucrânia. O fracasso do governo dos EUA em garantir a aprovação do Congresso para financiar a ajuda à Ucrânia para 2024 é um exemplo do sucesso dos esforços russos, embora indiretos. É evidente que, se o nível de apoio à Ucrânia na sociedade norte-americana permanecesse ao nível da maioria absoluta, como aconteceu em 2022, recusar votar a favor da atribuição de ajuda equivaleria a um suicídio político. No entanto, no final de 2023, apesar de 50% dos eleitores do Partido Republicano ainda apoiarem o envio de armas e equipamento militar para a Ucrânia, tal recusa tornou-se uma realidade política.

Dado que a ameaça de acabar ou pelo menos reduzir o montante da ajuda à Ucrânia só aumentará no futuro, vale a pena avaliar as consequências de uma vitória total ou mesmo parcial para a Rússia. Para a Ucrânia, as consequências são na sua maioria claras. Vladimir Putin não esconde as suas intenções genocidas de destruir a Ucrânia como um Estado independente e os ucranianos como um povo separado. A continuação da guerra é necessária para atingir estes objetivos, pois permite não só a destruição física dos ucranianos que estão dispostos a oferecer resistência armada (a chamada “desmilitarização” nos termos da “operação militar especial” do Kremlin), mas também a criação de condições incompatíveis com a vida normal para milhões de civis – tanto nos territórios ocupados como em outras áreas – forçando-os a deixar a Ucrânia e a procurar refúgio em outros países (a chamada “desnazificação”, que nada mais é do que limpeza étnica).

Soldados das Forças Armadas da Ucrânia na guerra contra a Rússia (Foto: facebook.com/GeneralStaff.ua)

Graças à ajuda do Ocidente, a Ucrânia é atualmente capaz de dissuadir a agressão russa ao longo da linha de contato, infligir perdas diárias significativas às tropas russas e destruir a maioria dos mísseis e drones com os quais a Rússia ataca infraestruturas civis, bem como desativar o uso de aeronaves russas. Embora a ameaça à população civil permaneça, os ucranianos preferem permanecer no seu país, e mesmo aqueles que foram para o estrangeiro nos primeiros meses da agressão da Rússia estão gradualmente regressando à Ucrânia. O número de refugiados ucranianos na Europa está diminuindo gradualmente: dos oito milhões de ucranianos que fugiram da guerra em 2022, apenas cerca de quatro milhões permanecem na Europa. Mas tal situação é extremamente frágil e depende diretamente da prestação de ajuda às Forças Armadas da Ucrânia.

Mesmo uma perda a curto prazo da capacidade das Forças Armadas da Ucrânia para dissuadir a agressão russa irá inevitavelmente alterar o equilíbrio atual. Os ucranianos continuarão, sem dúvida, a luta, mesmo num tal cenário, mas esta assumirá cada vez mais o caráter de uma guerra insurgente irregular, sob cujas condições será praticamente impossível manter grandes territórios sob controle ucraniano e, mais ainda, proteger a população civil. Basta olhar para a Síria para imaginar a natureza de tal confronto. O uso metódico de ataques aéreos e a destruição de cidades que resistem às tropas russas não deixariam a Ucrânia com muitas opções, mesmo a médio prazo.

É óbvio que, se a Ucrânia perder o apoio do Ocidente, Putin poderá muito bem atingir o seu objetivo de destruir os ucranianos como povo e apagar o maior país do mapa da Europa. Apesar da óbvia tragédia desta situação para a Ucrânia, as consequências da sua derrota para o Ocidente e especialmente para os EUA como líder do mundo livre não seriam menos catastróficas.

Apesar de o Ocidente preferir considerar esta guerra como um conflito bilateral entre a Rússia e a Ucrânia, a liderança russa a percebe e a posiciona como um confronto um-a-um com os EUA e a Otan, onde a Ucrânia serve apenas como representante. Esta percepção é generalizada não só na própria Rússia, mas também em outros Estados autocráticos e países do Sul Global. Assim, qualquer situação que possa ser considerada uma vitória pela Rússia – isto é, quaisquer conquistas resultantes da sua agressão – será percebida por estes países como uma derrota direta do Ocidente e dos EUA em particular. Ao mesmo tempo, tal derrota seria percebida como militar, onde o Ocidente – liderado pelos EUA – não tinha meios militares suficientes para apoiar as operações das Forças Armadas da Ucrânia, embora não tivesse de participar com suas próprias tropas. Isto teria, sem dúvida, um impacto muito negativo na percepção dos EUA como a principal potência militar mundial; encorajaria países como a China, o Irã e a Coreia do Norte a continuarem a sua própria expansão militar; e também forçaria os países do Sul Global a procurarem relações especiais com estes países, substituindo os EUA como intermediário de segurança internacional. Isto prejudicaria ainda mais a posição dos EUA no Sul Global, que já se encontra no seu ponto mais fraco desde o fim da Guerra Fria. Isto não só levaria a um enfraquecimento da capacidade do Ocidente de utilizar a infraestrutura militar destes países, mas também limitaria o acesso aos seus mercados, bem como a capacidade de obter deles materiais estratégicos.

É altamente provável que uma vitória russa na Ucrânia destrua a Otan, pelo menos na sua forma atual. Desde a sua criação, a aliança foi um acordo entre os EUA e a Europa, segundo o qual os EUA se comprometeram a proteger a Europa da ameaça soviética. Em troca disso, entre outras coisas, os países europeus disponibilizaram as suas infraestruturas militares aos EUA, comprometeram-se a desenvolver as suas próprias capacidades de defesa e reconheceram a liderança militar indiscutível dos EUA em caso de guerra com a União Soviética (URSS). Após um breve período de incerteza relativamente aos objetivos da Otan, que se seguiu ao colapso da URSS, a principal ameaça à aliança emana mais uma vez da Rússia. A relutância dos EUA em fornecer à Ucrânia armas suficientes para vencer uma guerra com a Rússia, para a qual os EUA não são obrigados a enviar as suas próprias tropas, põe em causa a disponibilidade dos EUA para proteger países individuais da Otan da agressão russa, para onde o envio de tropas dos EUA seria a única opção. Além disso, dadas as tendências na política dos EUA no sentido do abandono da Doutrina Eisenhower em favor do isolacionismo, existe uma ameaça real de que, num futuro previsível, o governo dos EUA possa até reconsiderar os seus compromissos de fornecer ajuda militar aos países europeus.

É óbvio que sem as tropas dos EUA, e especialmente sem a cobertura nuclear dos EUA, os países europeus não serão capazes de se defender no caso de uma guerra em grande escala com um Estado nuclear. A consciência do elevado risco de perder a proteção dos EUA pode forçar os líderes dos Estados europeus a começarem a procurar acordos bilaterais de segurança com a Rússia ou a China, qualquer um dos quais pode se oferecer para intervir como corretor de segurança, como já aconteceu no Oriente Médio. Sem dúvida, a retirada dos EUA da Europa – que foi e continua a ser o principal objetivo das primeiras medidas ativas soviéticas e agora russas – seria imediatamente capitalizada preenchendo o vácuo resultante com a influência russa e chinesa. Para os EUA, a perda da Europa equivaleria à perda do estatuto de líder do mundo livre e, juntamente com a perda dos mercados europeus, significaria o fim inevitável da era de domínio político, militar e econômico dos EUA.

Uma vitória russa na Ucrânia destruiria o sistema moderno de segurança nuclear global, empurrando o mundo para um período inevitável de guerra nuclear. A destruição da Ucrânia, que em 1993 desistiu do terceiro maior arsenal de armas nucleares do mundo depois de receber garantias de segurança da Rússia, dos EUA e do Reino Unido, seria um argumento absoluto a favor da ideia de que o único meio de proteção contra a agressão pelos Estados nucleares é a posse de armas nucleares próprias. A combinação da agressão convencional russa com ameaças de utilização de armas nucleares contra a Ucrânia, bem como a vontade de outros fiadores de sacrificar a Ucrânia à Rússia, a fim de evitar a escalada nuclear, não deixaria espaço para qualquer leitura errada. Cada vez mais países não nucleares procurariam adquirir as suas próprias armas nucleares. Dado o número crescente de países que possuem arsenais nucleares, a sua utilização prática num conflito é apenas uma questão de tempo. Quebrar o tabu sobre a utilização de armas nucleares criaria uma nova realidade, cujas características trágicas são difíceis de imaginar.

Ao mesmo tempo, não há alternativa que não derrotar a Rússia na Ucrânia. Qualquer tentativa de concluir um tratado de paz com a Rússia, segundo o qual a Ucrânia pudesse sobreviver de alguma forma, apesar da perda de território e soberania, seria apenas mais um Acordo de Minsk – nomeadamente, dar a Putin a pausa estratégica necessária para preparar a próxima fase de agressão. Não há forma de forçar Putin a levar a cabo tal acordo, mesmo que este fosse feito, e não há razão para acreditar que ele se absteria voluntariamente de executar o seu plano original para destruir a Ucrânia.

Entretanto, derrotar a Rússia na Ucrânia continua a ser perfeitamente alcançável e requer apenas uma revisão das abordagens para apoiar a Ucrânia nesta guerra. No atual confronto, a Rússia está no limite das suas capacidades, canalizando cerca de 30% do seu orçamento de Estado para apoiar a guerra. Em 2023, a guerra custou à Rússia cerca de US$ 100 bilhões. A Rússia manterá a capacidade de continuar a guerra a este nível enquanto os preços do gás e do petróleo – cuja venda continua a ser a principal fonte de financiamento do orçamento russo – permanecerem elevados. Ao mesmo tempo, os custos de apoio à Ucrânia por parte da coligação ocidental permanecem inferiores aos custos para a Rússia, apesar da óbvia vantagem econômica do Ocidente. Além disso, o custo do apoio à Ucrânia ainda é inferior ao custo das guerras dos EUA no Iraque e no Afeganistão, que o governo dos EUA estima ter custado aos contribuintes US$ 1,7 trilhões. Para efeito de comparação, a ajuda militar total à Ucrânia por parte dos EUA durante toda a guerra em grande escala ascendeu a cerca de US$ 46 bilhões. Tal situação dá à liderança russa a impressão de que o Ocidente não está empenhado em alcançar uma vitória ucraniana e encoraja Moscou a continuar a sua agressão.

Acredita-se que uma vantagem em forças e meios de três para um seja necessária para uma ofensiva eficaz. Esta regra também poderia ser facilmente aplicada ao financiamento de operações militares. A única coisa necessária para vencer esta guerra é estar pronto para enviar três dólares para apoiar a Ucrânia por cada dólar atribuído pela Rússia. Em 2024, a Rússia gastará mais uma vez cerca de US$ 100 bilhões na guerra. O Ocidente nem sequer precisa gastar o seu próprio dinheiro para aplicar a regra três para um: por uma estranha coincidência, exatamente US$ 300 bilhões de reservas russas estão agora bloqueados em contas no estrangeiro

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