A guerra da Ucrânia comprometeu as Forças Armadas da Rússia, que perderam mais de 300 mil soldados, entre mortos e feridos, além milhares de veículos blindados, navios e aeronaves. Mas há um outro lado. A indústria russa foi totalmente direcionada aos esforços de guerra, as perdas podem ser repostas a longo prazo e os estoques de armas ocidentais foram igualmente prejudicados. Um cenário que coloca os EUA e seus aliados em alerta, conforme se preparam para um hipotético confronto entre potências.
O Gabinete da Diretora de Inteligência Nacional (ODNI, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, divulgou na segunda-feira (11) sua avaliação anual de ameaças de 2024, focado em quatro países: Rússia, China, Irã e Coreia do Norte. O capítulo destinado a Moscou destaca como o país pode se recuperar do atual conflito e mesmo se beneficiar dele, com vistas a uma nova e mais ampla guerra futura.
No que tange à guerra atualmente em curso, a Rússia enfrenta desafios como desgaste das tropas, escassez de pessoal e até o abalo emocional. Porém, de olho em uma vitória, tende a se beneficiar do impasse no campo de batalhas, considerando que um conflito longo pesa contra os ucranianos.
“A indústria de defesa da Rússia está aumentando significativamente a produção de uma panóplia de armas de ataque de longo alcance, munições de artilharia e outras capacidades que lhe permitirão sustentar uma guerra longa e de alta intensidade, se necessário”, afirma o órgão governamental norte-americano em sua avaliação anual.
A mesma situação foi destacada por um relatório de inteligência da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), cujo conteúdo foi acessado com exclusividade pela rede CNN. O material alerta que a produção de munição pela Rússia é quase três vezes superior às de EUA e Europa somadas atualmente.
Moscou gerencia suas fábricas de munições de forma ininterrupta, com turnos rotativos de 12 horas, segundo a aliança. Uma situação que beneficia a Rússia não somente na guerra em curso. Também será útil após o conflito, graças à experiência adquirida que pode ser decisiva em caso de um choque direto com o Ocidente.
Com base na estimativa da Otan, a Rússia tem atualmente condições de produzir 250 mil munições de artilharia por mês, o que equivale a três milhões por ano. Mesmo somando esforços, norte-americanos e europeus conseguem chegar a apenas 1,2 milhão ao ano.
“A máquina de guerra deles funciona a todo vapor”, disse um alto funcionário da Otan à CNN. Já o Ocidente, segundo o tenente-general Steven Basham, vice-comandante do Comando Europeu das Forças Armadas dos EUA, está “apenas começando a construir a infraestrutura para adicionar a capacidade de munições necessária.”
Soldados e mercenários
Outra questão que a Rússia tende a contornar é a escassez de combatentes. “As forças militares de Moscou enfrentarão uma recuperação de vários anos, após sofrerem extensas perdas de equipamento e pessoal durante o conflito na Ucrânia”, diz o ODNI, acrescentando que o país estará mais vulnerável nessa fase e dependerá de sua capacidade nuclear para a dissuasão estratégica.
Porém, o presidente Vladimir Putin já encontrou uma forma de repor as perdas humanas sem depender, por exemplo, do recrutamento militar, como o que estabeleceu em setembro de 2022 e que adicionou cerca de 300 mil russos às Força Armadas.
“A Rússia tem recrutado com sucesso um número recorde de pessoal contratado, oferecendo benefícios significativos e manipulando a propaganda sobre a guerra na Ucrânia”, afirma o ODNI. “Os aumentos contínuos nas despesas com a defesa provavelmente proporcionarão financiamento suficiente para aumentar gradualmente a mão de obra sem que Moscou recorra à mobilização de reservistas.”
Além disso, o Kremlin pode sempre contar com empresas militares privadas (PMCs, na sigla em inglês), como o moribundo Wagner Group e principalmente as muitas organizações que vêm sendo criadas atualmente para substituir o grupo mais famoso.
Quem leva vantagem?
Embora a guerra da Ucrânia sirva como um importante aprendizado para Moscou, o mesmo vale para o Ocidente. Sobretudo no que tange à produção de munições. Na Alemanha, por exemplo, uma empresa do setor de defesa anunciou no mesmo passado um projeto de expansão que lhe permitirá produzir cerca de 200 mil o projéteis por ano, segundo a CNN.
Entretanto, a recuperação também é necessária entre os EUA e seus aliados. Segundo altos funcionários do Pentágono ouvidos pela rede Voice of America (VOA), existe atualmente um buraco de US$ 10 bilhões a ser tapado no orçamento de defesa, valor este necessário para repor as armas que foram entregues à Ucrânia.
Ainda assim, o ODNI vê o cenário favorável às nações ocidentais. “É quase certo que a Rússia não deseja um conflito militar direto com as forças dos EUA e da Otan”, diz o relatório.
Ao menos por ora, Putin deve pensar exclusivamente na Ucrânia, apostando não somente no seu atual poder de fogo para vencer a guerra, mas também na possibilidade cada vez menos improvável de que o apoio ocidental a Kiev seja cortado.