A segurança reforçada na França para os Jogos Olímpicos Paris 2024 não bastou para evitar um episódio que confirmou, antes mesmo da cerimônia de abertura, um dos maiores temores dos organizadores. O sistema de trens de alta velocidade do país foi alvo de sabotagem nesta sexta-feira (26), interrompendo o tráfego ferroviário e prejudicando os preparativos para a festa que acontece às margens do rio Sena.
De acordo com a agência Associated Press (AP), cerca de 250 mil pessoas foram prejudicadas pela ocorrência, cujos efeitos tendem a se estender por todo o final de semana, talvez mais. O jornal Le Monde disse que cerca de 25% dos trens da companhia Eurostar tiveram que ser cancelados e que inclusive atletas foram prejudicados, com os organizadores dos Jogos em busca de uma solução alternativa.
Jean-Pierre Farandou, CEO da empresa ferroviária estatal SNCF, disse que o sistema foi atingido por um “ataque premeditado, calculado e coordenado”, com incêndios registrados em diversos pontos e caixas de sinalização danificadas.
“A investigação está começando, peço a todos que sejam cautelosos”, disse o primeiro-ministro Gabriel Attal, citado pela agência Reuters. “O que sabemos, o que vemos, é que essa operação foi preparada, coordenada, que os centros nervosos foram alvos, o que mostra um certo conhecimento da rede para saber onde atacar.”

Com vistas aos Jogos Olímpicos, o governo francês adotou um esquema especial de segurança, tendo duas preocupações em vista: o extremismo islâmico e a Rússia. Embora a sabotagem de infraestrutura crítica seja uma especialidade de agentes a serviço de Moscou, com o sistema ferroviário atingido anteriormente na Alemanha e na Polônia, Paris não admite trabalhar com essa hipótese no momento.
De acordo com a Reuters, duas fontes de segurança do país disseram que os principais suspeitos até agora são grupos militantes de esquerda e ativistas ambientais, alegação sobre a qual o primeiro-ministro preferiu não falar.
O Ministério Público de Paris vem conduzindo uma investigação, conforme relatou a rede France 24. O caso é tratado como uma tentativa de minar “interesses nacionais fundamentais”, crime que prevê pena de até 20 anos de prisão.
A ameaça russa
Em maio, o secretário-geral da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Jens Stoltenberg, acusou Moscou de realizar uma grande campanha maliciosa em países da aliança, que inclui atos de sabotagem e violência, disseminação de desinformação e ciberataques. O presidente francês Emmanuel Macron também disse anteriormente que Moscou pretende prejudicar os Jogos.
Há mais de uma motivação para a Rússia atacar o evento. A principal delas, o apoio de países ocidentais à Ucrânia na guerra entre os dois países, com as ações de Moscou voltadas a jogar a opinião pública contra seus governos e assim desestimular a ajuda a Kiev. Outra razão é a exclusão de atletas russos das competições.
Em Paris 2024, representantes não só da Rússia, mas também de Belarus, estão proibidos de competir sob a bandeira de seus países e de comparecer à cerimônia de abertura. Os atletas que participarem do evento serão considerados neutros, impedidos de usar as cores dessas nações e de fazer manifestações políticas em seus perfis nas redes sociais.
A Rússia, segunda maior ganhadora de medalhas na história, terá somente 15 representantes nos Jogos. O país foi proibido de competir oficialmente sob a acusação de que orquestrou um sofisticado esquema de doping e também como punição pela agressão à Ucrânia. Este é um problema para o presidente Vladimir Putin, que usa o esporte como arma de propaganda e pode atacar os Jogos como represália.
Sabotagem, vandalismo e desinformação
A França já registrou episódios de vandalismo e desinformação atribuídos a agentes supostamente recrutados pelo Kremlin.
Em junho, cinco caixões foram colocados nas proximidades da Torre Eiffel, todos enrolados na bandeira da França e com o texto “soldados franceses na Ucrânia“. O governo francês, que prendeu três acusados de envolvimento, suspeita que a Rússia agiu após Paris cogitar enviar militares ao território ucraniano.
Outros episódios ocorreram anteriormente. Em outubro de 2023, pouco após os ataques do Hamas contra Israel, muros parisienses amanheceram com a Estrela de David pintada, uma referência à bandeira israelense. Em maio deste ano, um monumento em memória das vítimas do Holocausto foi pintado com mãos vermelhas. Moscou está sob suspeita nas duas ocorrências.
O caso desta sexta no sistema ferroviário francês, no entanto, guarda maiores semelhanças com ações maliciosas anteriores supostamente coordenadas por agentes russos e ocorridas em outros países.
Em outubro de 2022, a Deutsche Bahn (DB), operadora do sistema ferroviário alemão, foi alvo de uma ação que interrompeu a circulação de trens de carga e de passageiros por cerca de três horas. O Ministério dos Transportes suspeita de sabotagem russa, alegando que cabos essenciais para a segurança do tráfego ferroviário foram deliberadamente cortados.
Em agosto de 2023, o sistema ferroviário polonês teve uma série de problemas, com sinais de rádio interferindo no tráfego e forçando trens a interromperem suas viagens em diversos momentos. Os indícios apontam para sabotagem, e a Rússia surgiu como mais provável responsável pelo ataque, algo que já se tornou corriqueiro no continente europeu.
Segurança reforçada
Para proteger a cerimônia de abertura dos Jogos, a França mobilizou 45 mil policiais, dez mil soldados e dois mil agentes de segurança privada. Atiradores de elite estarão nos telhados e drones vigiarão os céus da capital francesa.
Outra medida adotada pelo governo francês é um sistema de vigilância com aplicação de inteligência artificial. O Le Monde afirma que serão usadas até 300 câmeras “inteligentes”, guiadas por algoritmos, para identificar comportamentos previamente estabelecidos e considerados suspeitos.