Soldados ucranianos recusam dispensa e voltam a lutar mesmo após amputações

Militares retornam ao campo de batalhas conforme o país sofre com a redução do efetivo após mais de dois anos de guerra

Uma importante organização de direitos humanos da Ucrânia, a Pryncyp, que atua em benefício de soldados, calcula que entre 20 mil e 50 mil militares do país tiveram que amputar algum membro em função de ferimentos sofridos na guerra contra a Rússia. Apesar de tais lesões assegurarem a eles o direito de pedir baixa de suas funções ou de atuar em setores burocráticos, há combatentes que mesmo assim optam por voltar à frente de batalhas. As informações são da agência Reuters.

A reportagem entrevistou 20 soldados ucranianos, e sete deles ou regressaram às funções mesmo após as amputações ou afirmaram que o farão assim que forem autorizados. Uma decisão quase sempre atrelada à necessidade que o pais tem de recompor o efetivo em meios às baixas e à longa duração do conflito, isso contra um inimigo com mais soldados à disposição.

Militar ucraniano guarda sua posição em Mariupol, Ucrânia (Foto: manhhai/Flickr)

A escassez de mão de obra militar tem levado Kiev a adotar medidas para aumentar o recrutamento, como a redução da idade mínima de 27 para 25 anos, segundo a agência Associated Press (AP). A lei foi assinada pelo presidente Volodymyr Zelensky em março, e medidas ainda mais duras podem surgir em breve.

O governo ucraniano cogita ampliar ainda mais o alcance do recrutamento e impor punições duras aos que recusassem a convocação. Também debate uma lei que autorizaria criminosos condenados a lutar em troca de liberdade condicional. O benefício, porém, não atingiria aqueles que cometeram crimes contra a humanidade, violência sexual, homicídio ou crimes contra a segurança nacional.

No caso dos militares amputados, entretanto, os entrevistados alegam ter retornado à guerra por opção. “Recebi ofertas para voltar para minha academia local como professor ou para trabalhar em um escritório de recrutamento em Odessa”, disse uma das fontes, de 32 anos, que perdeu a perna na explosão de uma mina. “Eu disse que não estou interessado nessas posições.”

Outro combatente, que perdeu a mão após ser atingido por estilhaços de uma explosão, diz que igualmente recusou uma função burocrática e trabalha perto da linha de frente, como chefe de logística de um batalhão da Brigada Azov, uma milícia ultranacionalista ucraniana incorporada à Guarda Nacional.

Masi Nayyem, cofundador da Pryncyp e ele próprio um ex-soldado com sequelas, após perder um olho em conflito, diz que nem todos os amputados se qualificam a retornar à linha de frente. Por exemplo, os combatentes com amputações abaixo do joelho costumam ser aprovados para atuar em unidades de apoio, mas não em funções que exijam grande mobilidade.

Russos forçados a lutar

Do lado russo, surgiram no início da guerra relatos de soldados que igualmente voltaram a lutar mesmo com amputações. A informação foi divulgada em dezembro de 2023 pelo Ministério da Defesa do Reino Unido (MOD, da sigla em inglês), mas com uma diferença: eles o fizeram porque foram obrigados.

“É muito provável que os membros das unidades russas Tempestade-Z estejam retornando às tarefas de combate com ferimentos não curados e mesmo após amputações de membros”, diz o relatório do MOD.

As unidades citadas são pelotões de segunda classe que ganharam o apelido extraoficial de Tempestade-Z. A letra Z foi adotada por Moscou como símbolo da guerra, enquanto a palavra “tempestade” remete às tropas de assalto das Forças Armadas, que geralmente lideram os ataques e se expõem a um risco maior.

Tais pelotões são geralmente formados por criminosos que optaram por servir às Forças Armadas em troca de perdão por seus crimes, militares regulares que cometeram atos de indisciplina ou insubordinação ou que foram flagrados bêbados por seus superiores, sendo então punidos.

Esses destacamentos invariavelmente são usados em missões com menor chance de sobrevivência. Eles atuam quase sempre na linha de frente e sofrem com a falta de munição, comida, água e socorro médico, como já havia relatado em outubro, a agência Reuters. Entretanto, a extensão do descaso ficou mais clara com a manifestação do governo britânico.

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