Tribunal de Haia planeja abrir ainda neste ano o primeiro caso de crime de guerra contra a Rússia

TPI e Kiev discutem a entrega à corte de ao menos um oficial do exército russo, atualmente prisioneiro de guerra na Ucrânia

O Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, na Holanda, pretende avançar com um caso de supostos crimes de guerra cometidos pelo exército russo na Ucrânia até o fim deste ano ou início de 2023, segundo fontes com conhecimento da questão que falaram sob condição de anonimato à rede Bloomberg.

Ainda não há uma data definida e o processo pode demorar, já que há grande demanda de tempo para preparar um caso, disseram os informantes. Eles não entraram em detalhes a respeito do processo que deve abrir os trabalhos do TPI sobre as agressões cometidas em território ucraniano. 

Segundo divulgou o governo ucraniano, até o dia 7 de julho estavam em andamento investigações de 21.897 abusos atribuídos às tropas de Moscou desde o início do conflito.

Sede do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, na Holanda (Foto: Flickr)

Um trabalho de investigação multinacional apura violações ao direito internacional na Ucrânia. Ele é conduzido por uma equipe composta por diversas autoridades judiciárias europeias criada em março para coletar evidências. Em abril, a Eurojust (Agência da União Europeia para Cooperação em Justiça Criminal) anunciou que tomou parte.

As fontes ouvidas pela Bloomberg também revelaram que TPI e Kiev discutem a entrega de pelo menos um oficial russo ao tribunal. Segundo essas pessoas, o militar, que é prisioneiro de guerra, estaria disposto a testemunhar contra altos comandantes russos. 

Desde 24 de fevereiro, data de início da invasão russa, a ONU (Organização das Nações Unidas) registrou pelo menos 5.024 civis mortos até o dia 12 de julho, incluindo mais de 300 crianças. Porém, devido à subnotificação de óbitos, estima-se que o número real sejam consideravelmente maior.

Washington engajada

Embora não seja um país membro do TPI, os EUA, por meio do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, disseram que o governo Biden está trabalhando para “documentar crimes de guerra e outras atrocidades perpetradas por tropas russas na Ucrânia”, além de apoiar esforços internacionais, incluindo os do Tribunal de Haia e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).

Investigação ‘eficaz’

Karim Khan, procurador-geral do TPI, concedeu entrevista à agência estatal ucraniana Ukrinform. Na conversa, publicada na quarta-feira (20), ele falou que está trabalhando para que as investigações sejam idôneas e rápidas na medida do possível, bem como respondeu sobre sua previsão para o início do julgamento.

“Estamos tentando acelerar. Mas certamente estou focado em garantir que a investigação ucraniana possa ser eficaz e não necessariamente lenta. Mas será tão rápido quanto as evidências nos permitirem”, disse. “Espero que ajamos com honra e integridade, de uma maneira que não decepcione vítimas e sobreviventes”.

Ele também foi questionado sobre o episódio em que um espião russo se passou por brasileiro em busca de um emprego no TPI como estagiário, ação frustrada pelo serviço secreto holandês (AIVD) em junho. A resposta foi evasiva.

“Em primeiro lugar, não comento questões de segurança interna para o escritório do tribunal dessa questão. Os holandeses anunciaram as ações que tomaram em relação à devolução do indivíduo que nomearam. Eu comentaria sobre qualquer outro assunto, mas quanto ao resto, será especulação ou será confidencial, mas não vou comentar mais sobre isso. Mas eu entendo o interesse na pergunta”.

Por que isso importa?

Estuprotorturarecrutamento forçadoexecuções sumárias, restrições à liberdade de movimento e estrutura civil danificada intencionalmente. Estes são alguns dos possíveis crimes de guerra que a ONU documentou na Ucrânia. Na atualização mais recente de seu balanço do conflito, o OHCHR (Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos) relatou mais de dez mil vítimas civis, entre mortos e feridos, e afirmou que as hostilidades “aparentemente não têm fim à vista”.

Um dos episódio mais pesados ocorreu em Bucha, onde corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas da cidade ucraniana quando as tropas locais reconquistaram a área, três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.

A Rússia, que nega ter alvejado civis ou ter cometido crimes de guerra, também deve promover julgamentos. Um sinal já foi dado por Denis Pushilin, líder pró-Kremlin da autoproclamada República Popular de Donetsk (RPD), que disse que planeja “organizar um tribunal internacional na república” para os cerca de 2,5 mil soldados ucranianos feitos prisioneiros após se renderem enquanto defendiam a siderúrgica de Azovstal, em Mariupol

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