Vazamento de arquivos militares russos revela ensaios para ataque nuclear, inclusive contra a China

Documentos relatam simulações nas quais as armas de destruição em massa seriam usadas no início de um conflito, tendo o aliado como um alvo

Arquivos militares russos vazados relevam que as forças lideradas por Vladimir Putin ensaiaram cenários de ataques com armas nucleares táticas em estágios iniciais de um hipotético conflito com uma potência global. Entre elas a China. Os documentos confidenciais, que têm mais de uma década, foram obtidos pelo jornal Financial Times e revelam critérios mais flexíveis para o uso dessas armas que os admitidos publicamente por Moscou, de acordo com especialistas que analisaram o material.

Os documentos são datados do período entre 2008 e 2014 e trazem percepções sobre possíveis cenários de guerra e estratégias com armamento de destruição em massa. Os arquivos detalham a possibilidade de uma resposta nuclear prematura, destinada a conter invasões no território russo.

Esta é a primeira vez que documentos desse tipo são divulgados publicamente, segundo Alexander Gabuev, do Carnegie Russia Eurasia Center, um think tank dedicado à pesquisa e análise de questões políticas, econômicas e sociais relacionadas à Rússia e à Eurásia.

“Os documentos revelam que o limiar para o uso de armas nucleares é surpreendentemente baixo se os objetivos desejados não puderem ser alcançados por métodos convencionais”, disse Gabuev.

Putin durante reunião no Kremlin com oficiais do exército e autoridades para discutir a criação de novos tipos de armas. Moscou, 2016 (Foto: WikiCommons)

As armas nucleares táticas da Rússia, citadas nos documentos, podem ser transportadas por terra, por mísseis lançados do mar ou por aeronaves e foram concebidas para uso em combates na Europa e Ásia. São menores e usadas para atingir alvos pontuais. Já as armas estratégicas, mais poderosas, foram projetadas para atingir alvos nos Estados Unidos. Atualmente, porém, mesmo as táticas têm potencial para liberar mais energia que as usadas em Nagasaki e Hiroshima em 1945.

Embora os arquivos remontem a mais de uma década, especialistas argumentam que eles permanecem alinhados com a doutrina militar moderna da Rússia.

Temores com a China

O vazamento ressalta preocupações de longa data sobre a China entre os círculos de segurança russos, apesar dos laços diplomáticos entre os dois países e de um acordo de não realizar o primeiro ataque nuclear, assinado em 2001.

Os arquivos revelam que o distrito militar oriental da Rússia estava se preparando para uma série de cenários, incluindo uma possível invasão chinesa. Esses documentos oferecem ideias sobre como Moscou considera suas armas nucleares peça central da estratégia de defesa. Por exemplo, em um dos cenários, a Rússia considerou um ataque nuclear tático para conter uma suposta invasão chinesa.

Nos anos seguintes, Moscou e Beijing sedimentaram sua parceria, especialmente sob o governo de Xi Jinping desde 2012. A guerra na Ucrânia solidificou a posição da Rússia como parceira da China, definida como “sem limites” pelos líderes de ambos, com os chineses oferecendo ajuda financeira crucial para os russos enfrentarem as sanções ocidentais.

O Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que não há razão para suspeitar da Rússia. Segundo um porta-voz declarou ao Financial Times, o Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação entre China e Rússia estabeleceu legalmente o “conceito de amizade eterna e não inimizade” entre os dois países.

Já o porta-voz do Kremlin afirmou que o limite para o uso de armas nucleares é transparente e está definido na doutrina russa. Quanto aos documentos mencionados, ele disse que “há dúvidas sobre sua autenticidade”.

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