Áudio indica que polícia do Irã matou mulheres e crianças ‘por engano’ em protestos

Episódio batizado de "Sexta-Feira Sangrenta" terminou com cerca de cem mortos devido à violenta repressão estatal

Um arquivo de áudio divulgado no domingo (4) mostra que o Conselho de Coalizão das Forças da Revolução Islâmica, uma coalizão de partidos políticos pró-governo de Teerã, supostamente admitiu que mulheres e crianças foram mortos durante um sangrento episódio registrado no sudeste do Irã na semana passada. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

O áudio foi divulgado pelo grupo de hacktivistas (hackers ativistas) Black Reward, que o teria obtido ao invadir o sistema da agência estatal de notícias linha-dura Fars. Nele, Reza Davari, secretário da coalizão, admite que uma autoridade policial disparou “por engano” contra civis, entre eles mulheres e crianças. “Eles nem faziam parte dos protestos”, diz o político na gravação.

A violência ocorreu na cidade de Zaheda, onde cerca de cem pessoas foram mortas devido à violenta repressão estatal imposta contra protestos populares. O episódio, batizado de “Sexta-Feira Sangrenta”, foi condenado por Molavi Abdolhamid, líder espiritual da população muçulmana sunita do Irã.

Ele contestou o governo central iraniano e pediu um referendo nacional no intuito de “mudar as políticas com base nos desejos do povo”, criticando inclusive o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo iraniano.

Em outro documento obtido pelos hacktivistas, o aiatolá recomenda às forças de segurança que atuem para macular a imagem de Abdolhamid em vez de simplesmente prendê-lo. Os sunitas são maioria entre a população da província do Sistão-Baluchistão, onde o líder espiritual está baseado, mas são minoria no país, dominado pelos xiitas.

Bandeiras do Irã em protesto na Suécia: violência estatal contestada (Foto: Artin Bakhan/Unsplash)
Por que isso importa?

Nos últimos meses, protestos populares tomaram as ruas do Irã após a morte de Mahsa Amini, uma jovem de 22 anos que visitava Teerã, capital do país, quando foi abordada pela “polícia da moralidade” por não usar “corretamente” o hijab, o véu obrigatório para as mulheres. Sob custódia, ela desmaiou, entrou em coma e morreu três dias depois.

Os protestos começaram no Curdistão, província onde vivia Mahsa, e depois se espalharam por todo o país, com gritos de “morte ao ditador” e pedidos pelo fim da república islâmica. As forças de segurança iranianas passaram a reprimir as manifestações de forma violenta, com relatos de dezenas de mortes.

No início de outubro, a ONG Human Rights Watch (HRW) publicou um relatório que classifica o regime iraniano como “corrupto e autocrático”, denunciando uma série de abusos cometidos pelas forças de segurança na repressão aos protestos populares.

De acordo com a entidade, em ao menos 13 cidades do Irã foram registrados casos de uso de força excessiva ou letal. O relatório cita vídeos divulgados na internet que mostram agentes estatais usando rifles, espingardas e revólveres indiscriminadamente contra a multidão, “matando e ferindo centenas”.

Entidades humanitárias alegam que quase 500 pessoas morreram vitimadas pela violenta repressão aos protestos imposta pelas forças de segurança. Entre elas, mais de 50 crianças.

Além dos mortos e feridos, a HRW cita os casos de “centenas de ativistas, jornalistas e defensores de direitos humanos” que, mesmo de fora dos protestos, acabaram presos pelas autoridades. Condena ainda o corte dos serviços de internet, com plataformas de mídia social bloqueadas em todo o país desde o dia 21 de setembro, por ordem do Conselho de Segurança Nacional do Irã.

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