Com mulheres proibidas de trabalhar, ONGs param e levam o povo afegão a passar fome

Aproximadamente seis milhões de afegãos "estão a apenas um passo da fome", de acordo com dados das Nações Unidas

Mais de 28 milhões de afegãos, número que equivale a cerca de 70% da população do país, precisam de ajuda humanitária. Aproximadamente seis milhões de cidadãos “estão a apenas um passo da fome”, de acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas). E a situação dessas pessoas tende a piorar após o Taleban ter proibido o trabalho de mulheres afegãs em ONGs, levando muitas agências a suspender as atividades por falta de mão de obra. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).

A paralização parcial no serviço de apoio aos afegãos impactou na distribuição de comida, nos serviços de saúde e na educação. Este último setor, aliás, já havia sido fortemente impactado pelas decisões igualmente radicais dos talibãs de vetar a presença de meninas e mulheres nas escolas a partir da sexta série e nas universidades.

Segundo a pesquisadora afegã Orzala Ashraf Nemat, a proibição imposta pelo Taleban às mulheres nas entidades humanitárias terá um “impacto muito grave” sobre a vida dos cidadãos. Isso porque muitos programas de desnutrição e segurança alimentar são desenvolvidos por mulheres, vez que somente elas são autorizadas a interagir com outras mulheres e crianças. E essa é justamente a parcela da sociedade mais afetada pela crise que assola o país.

Família afegã tenta se aquecer em campo para deslocados na província de Herat (Foto: Sayed Bidel)

Zahra, uma mulher de 35 anos que se identificou apenas pelo primeiro nome, confirma a dura realidade. “Depois de Deus, dependíamos desses grupos de ajuda”, disse ela, que vive na remota província de Ghor, região central do Afeganistão. “Já não temos comida para comer”.

Diante da situação dramática, ela afirma que cogita uma solução extrema. “Temos que vender um de nossos filhos para salvar a vida dos outros”, afirmou.

A fome não atinge apenas aqueles que dependiam da ajuda. É também um problema para quem ganhava a vida trabalhando para entidades humanitárias. Caso da afegã Lima, que usou um pseudônimo por medo dos talibãs. Impedida de trabalhar, ela conta que privou a própria família da única fonte de renda.

“Para o Taleban, a única maneira de se livrar de todas as mulheres afegãs é matá-las todas de uma vez”, disse ela.

Violação dos princípios humanitários

Dados divulgados pelas Nações Unidas apontam que 151 ONGs locais e internacionais operam no Afeganistão. Porém, devido à proibição, somente 15% delas têm condições de manter as operações plenas sem a presença feminina.

Em comunicado assinado por Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral António Guterres, a ONU já havia projetado a catástrofe humanitária. “A proibição relatada imposta a mulheres que trabalham com a comunidade internacional para salvar vidas e meios de subsistência no Afeganistão causará mais dificuldades incalculáveis ​​ao povo do Afeganistão”, diz o texto.

Já o escritório de coordenação humanitária da ONU no Afeganistão afirmou que a decisão é uma violação dos “direitos mais fundamentais das mulheres, além de ser uma violação clara dos princípios humanitários”.

“As mulheres devem ser capacitadas para desempenhar um papel crítico em todos os aspectos da vida, incluindo a resposta humanitária. A sua participação deve ser respeitada e salvaguardada. Esta última decisão só prejudicará ainda mais os mais vulneráveis, especialmente mulheres e meninas”, disse o escritório. 

A pressão para que os talibãs revertam a decisão tem sido tanto internacional quanto doméstica. Líderes tribais da província de Khost já se manifestaram contra a decisão e pediram aos radicais, no dia 5 de janeiro, que voltem atrás. O primeiro passo foi excluir da proibição as afegãs que atuam nos serviços de saúde. Nos demais setores, porém, o veto persiste.

Por que isso importa?

A vida das mulheres tem sido particularmente dura no Afeganistão. Aquelas que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.

Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.

Há ainda um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).

A repressão de gênero é um das razões citadas pelas nações de todo o mundo para não reconhecerem o Taleban como governantes de direito do Afeganistão. Assim, o país segue isolado da comunidade internacional e afundado na pobreza. O reconhecimento internacional fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riquez

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