Relatório vê crime contra a humanidade no veto do Taleban ao trabalho feminino

Documento cita desaparecimentos forçados, tortura, prisões e vetos impostos às mulheres e pede ação global robusta

Crime contra a humanidade. É assim que a Anistia Internacional classifica o veto imposto pelo Taleban ao trabalho feminino no Afeganistão, que segue em vigor e contribui para impedir o acesso de milhões de afegãos à absolutamente necessária ajuda humanitária. A denúncia consta de um relatório publicado na sexta-feira (26) em parceira com a Comissão Internacional de Juristas (ICJ, na sigla em inglês).

O documento é intitulado, “A guerra do Taleban contra as mulheres: o crime contra a humanidade da perseguição de gênero no Afeganistão”. Trata-se de uma análise de como as restrições aos direitos das mulheres e meninas do Afeganistão, bem como o uso de prisão, desaparecimento forçado, tortura e outros maus-tratos, podem constituir crime contra a humanidade de perseguição de gênero, com base legal no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI).

“Que não haja dúvidas: esta é uma guerra contra as mulheres, banidas da vida pública, impedidas de aceder à educação, proibidas de trabalhar, impedidas de se mover livremente, presas, desaparecidas e torturadas inclusive por falar contra essas políticas e resistir à repressão. São crimes internacionais. Eles são organizados, generalizados, sistemáticos”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia.

Mães com seus bebês recebem ajuda do Unicef no Afeganistão (Foto: Mark Naftalin/Unicef)

Em dezembro passado, os talibãs proibiram o trabalho de mulheres afegãs em ONGs, levando muitas agências a suspenderem as atividades por falta de mão de obra. No início de abril, a organização jihadista estendeu sua proibição às mulheres que trabalham para a ONU (Organização das Nações Unidas).

A proibição afeta somente trabalhadoras locais, enquanto as estrangeiras seguem autorizadas a trabalhar. Porém, devido ao veto, inclusive os homens afegãos decidiram não mais comparecer ao trabalho em solidariedade às colegas. A estimativa é de que mais de três mil afegãos estejam fora de serviço.

Cerca de 23 milhões de pessoas, mais da metade da população do Afeganistão, necessitam atualmente de ajuda humanitária. Sem as mulheres, torna-se praticamente inviável o trabalho das entidades que realizam esse tipo de operação, a ONU inclusive. O que aumenta o drama de afegãos que vivem em condições desesperadoras em meio à profunda crise econômica do país.

“A campanha de perseguição de gênero do Taleban é de tal magnitude, gravidade e natureza sistemática, que cumulativamente os atos e políticas formam um sistema de repressão que visa a subjugar e marginalizar mulheres e meninas em todo o país. Nosso relatório indica que isso atende a todos os cinco critérios para qualificá-lo como crime contra a humanidade de perseguição de gênero”, disse Santiago Canton, secretário-geral da ICJ.

O relatório elenca as inúmeras medidas restritivas impostas às mulheres, que no Afeganistão atualmente são “forçadas a viver como cidadãs de segunda classe”, segundo a Anistia. O documento cita a exigência de que as mulheres viajem sempre com acompanhante masculino, a ordem para que fiquem em casa, a menos que estritamente necessário, e o rígido código de vestimenta.

“Mulheres e meninas afegãs são vítimas de um crime contra a humanidade de perseguição de gênero. A gravidade do crime exige uma resposta internacional muito mais robusta do que foi visto até agora. Só há um resultado aceitável: esse sistema de opressão e perseguição de gênero deve ser desmantelado”, afirmou Callamard.

Resolução no Conselho de Segurança

No dia 28 de abril, o Conselho de Segurança da ONU aprovou de forma unânime uma resolução que insta o Taleban a “reverter rapidamente” todas as medidas restritivas contra as mulheres. O documento condena em particular a proibição de afegãs trabalharem para as Nações Unidas

A resolução, adotada por todos os 15 membros do Conselho, diz que a proibição anunciada no início de abril “mina os direitos humanos e os princípios humanitários”. E pede a “participação plena, igualitária, significativa e segura de mulheres e meninas no Afeganistão”, instando todos os países e organizações com influência sobre os governantes fundamentalistas do país “a promoverem uma reversão urgente” de políticas que efetivamente apagaram as mulheres da vida pública.

Ao anunciar a resolução, a ONU sublinhou sua “condenação inequívoca” da decisão do Taleban e observou que ela viola o direito internacional, incluindo a Carta da ONU. A entidade ainda manifestou a “profunda preocupação” dos embaixadores dos 15 países signatários, dizendo que, junto com outras erosões de direitos básicos, “irá impactar negativa e severamente” nas operações de ajuda humanitária, “incluindo a prestação de assistência vital e serviços básicos aos mais vulneráveis”.

O texto também enfatiza a necessidade urgente de continuar abordando a “terrível situação econômica e humanitária” do Afeganistão e de ajudar o país a restaurar a autossuficiência, reconhecendo a importância de permitir que o Banco Central use ativos que estão atualmente congelados fora do país, “para o benefício do povo afegão.”

Tags: