Taleban e crise destroem o setor de beleza e cuidados pessoais no Afeganistão

Em Cabul, a capital do país, os donos desse tipo de estabelecimento estimam perda de mais de 90% dos negócios desde agosto de 2021

Entre os muitos setores da economia do Afeganistão destruídos pela ascensão do Taleban ao poder está o de beleza e cuidados pessoais. Em Cabul, capital do país, os donos de salões de beleza estimam uma perda de mais de 90% dos negócios desde agosto de 2021, quando os radicais tomaram o poder. Nem todos fecharam as portas, mas estabelecimento que faturavam milhares de dólares por mês agora embolsam algumas poucas centenas. Um cenário que ajuda a explicar a profunda crise econômica que faz mais de 23 milhões de afegãos passarem fome. As informações são da rede Radio Free Europe.

Nida é uma das muitas empresárias cujo negócio foi esmagado pelos talibãs. O salão que ela comanda abriu as portas há cerca de três anos e atraía uma clientela fiel, em busca de tratamentos diversos de beleza e serviço de cabeleireiro. Chegou a empregar seis pessoas no ápice do sucesso, que acabou tão logo os radicais tomaram o governo central.

Recentemente, após manter o salão fechado por um período, Nida obteve uma licença para voltar a operar, mas não tem mais clientes como antes. A fachada do estabelecimento evidencia os novos tempos, sem as fotos de mulheres maquiadas e penteadas antes exibidas ali. Imagens assim são proibidas, e muitas foram pintadas com tinta preta pelos talibãs.

Taleban e crise afastam clientes e destroem setor de beleza e cuidados pessoais no Afeganistão
Repressão talibã atinge particularmente as mulheres (Foto: Creative Commons)

“Nós, mulheres, temos muito medo do Taleban e estamos preocupadas com nosso futuro”, disse Nida, que relata a dificuldade enfrentada para manter o negócio operante. “Agora, muitas vezes esperamos que apenas um cliente apareça durante um dia inteiro”.

Nem mesmo a drástica redução nos preços cobrados pelos salões ajuda os negócios a se manterem em pé. “Estamos lutando para colocar comida na mesa”, diz a jovem empreendedora.

A situação é semelhante à de Fatima, outra empresaria do ramo da beleza, na cidade de Herat, que tem enfrentado dificuldades para se sustentar. Ela inclusive pediu que seu nome fosse alterado, com medo de sofrer represálias dos radicais. “Quero que o Taleban deixe as mulheres trabalharem em todos os setores e evite forçá-las a ficar em casa. Não espero mais nada”, afirmou.

Inicialmente, Fatima também desistiu do negócio, mas enfrentou o medo e voltou à ativa para poder alimentar a família. Porém, as clientes sumiram. Uma parte optou por evitar problemas com os novos governantes e evita usar serviços de beleza. A outra simplesmente não tem dinheiro para pagar por isso.

Segundo Maryam, uma jovem de Cabul, cada vez menos mulheres podem se dar ao luxo de visitar salões de beleza. “As dificuldades econômicas têm um papel nisso, mas a maioria das pessoas tem medo”, afirmou.

Manequins decapitados

No início do ano, em mais uma ação dos talibãs que em nada ajuda a combalida economia local, comerciantes da província de Herat removeram as cabeças dos manequins exibidos nas vitrines de suas lojas. A ordem partiu do Taleban, que baseou a proibição no argumento de que a Sharia, a lei islâmica, proíbe a adoração de ídolos. E os talibãs tratam os manequins da mesma maneira que trataam ídolos religiosos, como imagens de santos católicos, por exemplo.

A ordem foi dada pelo Ministério Para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, sob o argumento de que os manequins são ofensivos ao Islã. Inicialmente, alguns proprietários de lojas contestaram a ordem, argumentando que outros países muçulmanos permitem os manequins. Mais tarde, resolveram acatar a imposição, sob risco de serem punidos.

Mais recentemente, o Taleban também obrigou o fechamento de algumas lojas em Cabul e destruiu outros estabelecimentos que estavam decorados para o Valentine’s Day (Dia dos Namorados), celebrado em 14 de fevereiro nos Estados Unidos e em alguns países da Europa.

Um dos principais alvos da fiscalização talibã foi o mercado Koche Golfroshi, que recebeu uma patrulha do repressor Ministério. Segundo um lojista local que não quis se identificar, um integrante do órgão “visitou todas as lojas e nos disse para não seguirmos essa cultura proibida que é imposta por países estrangeiros”.

Um oficial destacado para guardar a porta principal de um centro comercial de Cabul disse, no dia 14 de fevereiro, que, “de manhã, muitas garotas precipitadas vêm sem véu para celebrar este dia proibido. Nós viemos aqui para não permitir as pessoas dentro do mercado”.

Por que isso importa?

As mulheres são as que mais sofrem nas mãos do regime radical dos talibãs. As que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão extremista foram impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.

Na educação, o governo extremista manteve fora da escola por longo período as meninas acima dos sete anos de idade em diversas regiões do país. Algumas poucas províncias do país, entre as 34 existentes, permitiram a volta das meninas à escola em 2021. Assim, muitas meninas recorreram a uma instituição que ministra aulas online, a fim de não perderem o ano letivo ou interromperem os estudos.

Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas foram proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.

Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo fizeram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).

A proibição do esporte feminino é outra realidade sob o governo talibã. Embora o grupo extremista não tenha emitido uma nota oficial sobre o veto, ele se faz presente na rotina das atletas afegãs. Depois do críquete feminino, cuja proibição foi anunciada pelo vice-líder da comissão cultural do Taleban, Ahmadullah Wasiq, a repressão atingiu outra modalidade muito popular no país: o taekwondo.

O Afeganistão tem apenas duas medalhas olímpicas em sua história: dois bronzes conquistados pelo atleta do taekwondo Rohullah Nikpai em Beijing 2008 e Londres 2012. As conquistas de Nikpai no masculino popularizaram o esporte no país, inclusive entre as mulheres. Porém, com o Taleban no poder, a prática tem se restringido aos homens, e as escolas que ofereciam aulas de taekwondo para mulheres fecharam as portas ou passaram para a clandestinidade.

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