Taleban prepara cartilha para regulamentar o trabalho humanitário das afegãs

Novas diretrizes, que ainda não têm data para serem divulgadas, dariam fim ao veto imposto às mulheres em ONGs e na ONU

Os radicais do Taleban, que desde agosto de 2021 exercem o papel de governantes de fato do Afeganistão, debatem atualmente uma série de diretrizes que regulamentariam o trabalho de mulheres afegãs em entidades humanitárias, que está proibido no país. A revelação foi feita à agência Associated Press (AP) por Jan Egeland, secretário-geral da ONG Conselho Norueguês para Refugiados.

Em dezembro passado, os talibãs proibiram o trabalho de mulheres afegãs em ONGs, levando muitas agências a suspenderem as atividades por falta de mão de obra. No início de abril, a organização jihadista estendeu sua proibição às mulheres que trabalham para a ONU (Organização das Nações Unidas).

A proibição afeta somente trabalhadoras locais, enquanto as estrangeiras seguem autorizadas a trabalhar. Porém, devido ao veto, inclusive os homens afegãos decidiram não mais comparecer ao trabalho em solidariedade às colegas. A estimativa é de que mais de três mil afegãos estejam fora de serviço.

Cerca de 23 milhões de pessoas, mais da metade da população do Afeganistão, necessitam atualmente de ajuda humanitária. Sem as mulheres, torna-se praticamente inviável o trabalho das entidades que realizam esse tipo de operação, a ONU inclusive. O que aumenta o drama de afegãos que vivem em condições desesperadoras em meio à profunda crise econômica do país.

Afegãos afetados pelo terremoto que atingiu seu país (Foto: Mark Naftalin/Unicef)

Egeland, que atualmente está no Afeganistão, diz que mantém contato frequente com o vice-governador de Kandahar, Maulvi Hayatullah Mubarak, que por sua vez é bastante próximo do líder talibã Hibatullah Akhundzada. A criação de uma cartilha de regras que solucionaria o problema do trabalho humanitário feminino vem sendo debatida, embora não exista um prazo estabelecido para conclusão do processo.

“As autoridades em Kandahar têm uma posição especial, vez que o emir (Akhundzada) está em Kandahar”, disse o ativista. “Qualquer acordo que possamos obter em Kandahar pode ter um impacto nacional. Essas diretrizes estão próximas de serem finalizadas e devem entrar em vigor em breve. É o que foi veiculado.”

Detalhes do que vem sendo debatido não foram oficialmente revelados, mas a reportagem da AP cita alguns pontos que tendem a ser abordados. Entre eles, código de vestimenta, segregação de gênero no local de trabalho e a obrigatoriedade de um acompanhante masculino para viagens realizadas pelas afegãs.

O Taleban insiste que a proibição é temporária, mas ela afeta duramente o trabalho humanitário. Até a ONU chegou a ameaçar suspender suas operações, mas no início deste mês disse que continuaria a atuar no Afeganistão apesar das restrições.

“Ficamos, entregamos e estamos determinados a buscar as condições necessárias para continuar entregando”, disse na ocasião o secretário-geral António Guterres, após uma reunião com representantes de mais de 20 países para tratar das questões afegãs. “Os participantes concordaram com a necessidade de uma estratégia de engajamento”.

Resolução no Conselho de Segurança

No dia 28 de abril, o Conselho de Segurança da ONU aprovou de forma unânime uma resolução que insta o Taleban a “reverter rapidamente” todas as medidas restritivas contra as mulheres. O documento condena em particular a proibição de afegãs trabalharem para as Nações Unidas

A resolução, adotada por todos os 15 membros do Conselho, diz que a proibição anunciada no início de abril “mina os direitos humanos e os princípios humanitários”. E pede a “participação plena, igualitária, significativa e segura de mulheres e meninas no Afeganistão”, instando todos os países e organizações com influência sobre os governantes fundamentalistas do país “a promoverem uma reversão urgente” de políticas que efetivamente apagaram as mulheres da vida pública.

Ao anunciar a resolução, a ONU sublinhou sua “condenação inequívoca” da decisão do Taleban e observou que ela viola o direito internacional, incluindo a Carta da ONU. A entidade ainda manifestou a “profunda preocupação” dos embaixadores dos 15 países signatários, dizendo que, junto com outras erosões de direitos básicos, “irá impactar negativa e severamente” nas operações de ajuda humanitária, “incluindo a prestação de assistência vital e serviços básicos aos mais vulneráveis”.

O texto também enfatiza a necessidade urgente de continuar abordando a “terrível situação econômica e humanitária” do Afeganistão e de ajudar o país a restaurar a autossuficiência, reconhecendo a importância de permitir que o Banco Central use ativos que estão atualmente congelados fora do país, “para o benefício do povo afegão.”

Tags: