Testemunhos destacam a situação sombria dos civis à espera da morte em Gaza

Pais chegam a escrever os nomes das crianças em seus braços para que possam ser identificadas caso morram nos escombros

Conteúdo adaptado de material publicado originalmente em inglês pela ONU News

A principal autoridade de direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) lançou um novo apelo nesta sexta-feira (27) para o fim da crise IsraelPalestina e a libertação de todos os reféns, em meio ao aumento de mortes de civis e a relatos de pais chegam a escrever os nomes das crianças em seus braços para que possam ser identificadas caso morram nos escombros

O apelo de Volker Türk surgiu no momento em que os humanitários da ONU continuavam a emitir alertas terríveis sobre a dimensão total da crise humanitária no enclave.

O chefe da agência da ONU para os refugiados da Palestina (UNRWA) disse que os “poucos caminhões (de ajuda)” que chegaram do Egito desde 21 de Outubro são “nada mais do que migalhas que não farão diferença para dois milhões de pessoas”.

“O que é necessário é um fluxo de ajuda significativo e ininterrupto. Para ter sucesso, precisamos de um cessar-fogo humanitário para garantir que esta ajuda chegue aos necessitados”, insistiu.

A porta-voz do Gabinete de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH), Ravina Shamdasani, disse aos jornalistas em Genebra sobre os “testemunhos angustiantes” de pais que escrevem os nomes das crianças nos braços para poderem identificar os seus restos mortais.

Os funcionários no terreno dizem que todas as noites fazem cálculos sobre se devem dormir ao ar livre ou dentro de casa, pesando os riscos de serem mortos pela queda do teto ou por estilhaços.

Menino se abraça à mãe em Gaza (Foto: Creative Commons)
Um ‘pesadelo’ vivo

O representante do Programa Alimentar Mundial da ONU (PMA) na Palestina, Samer Abdeljaber, disse que as pessoas em Gaza descreveram a situação como um “pesadelo e não temos como acordar dele”. Ele destacou as péssimas condições nos abrigos designados pela UNRWA, que estão quase três vezes acima da capacidade.

“Numa sala do tamanho de uma sala de aula 70 pessoas dormem, comem, bebem e cuidam das suas famílias”, disse, e há oito banheiros para 25 mil pessoas.

‘Escolhas terríveis’

Falando a partir de Jerusalém, o principal responsável humanitário da ONU no Território Palestino Ocupado, Lynn Hastings, sublinhou que “toda a assistência humanitária e questões humanitárias têm de ser incondicionais.”

Os 224 reféns detidos em Gaza precisam ser libertados “imediata e incondicionalmente”, disse ela, reiterando os apelos do chefe da ONU, António Guterres.

A ajuda humanitária também deve ser capaz de chegar “incondicionalmente” às pessoas em Gaza, disse ela.

Hastings destacou as “escolhas terríveis” com que a comunidade humanitária é confrontada, dada a pequena quantidade de ajuda que tem chegado, a escassez de combustível e a situação de segurança.

Ela deplorou a necessidade de os humanitários decidirem “para quais comunidades enviar os itens, quais padarias, qual planta de dessalinização deve ser ligada ou desligada, para qual hospital enviar medicamentos.”

Colapso de serviços devido à crise de combustível

Hastings afirmou que em tempos normais mais de 780 caminhões com combustível teriam cruzado para Gaza desde 7 de outubro. Na ausência de entregas, a UNRWA tem dependido de uma única bomba de combustível situada perto da fronteira de Rafah, mas o acesso tem sido “esporádico” e os abastecimentos diminuem muito rapidamente.

Forçadas a racionar o combustível, as padarias da Faixa de Gaza só conseguirão fazer pão para um milhão de pessoas durante mais 11 dias, alertou Hastings, enquanto a UNRWA alertou que algumas já estão a passar fome.

Samer Abdeljaber, do PMA, disse que apenas duas padarias contratadas pelo PMA estão funcionando, em comparação com 23 no início da operação.

O combustível também é fundamental para alimentar usinas de dessalinização de água, para que possam produzir água potável, e estações de bombeamento.

Hastings assinalou que, com o saneamento reforçado, o esgoto bruto está sendo bombeado para o mar em Gaza. Mas, quando o combustível acabar, “seja amanhã ou segunda-feira”, o bombeamento de esgoto se tornará impossível, e as águas residuais “transbordarão nas ruas”.

Bebês em incubadoras em risco

Richard Peeperkorn, representante da agência de saúde da ONU, a Organização Mundial de Saúde (OMS), no território palestino ocupado, disse aos jornalistas que são necessários um mínimo de 94 mil litros de combustível por dia para “manter funções críticas funcionando” em 12 grandes hospitais em Gaza.

Dois em cada três hospitais no enclave estão “parcialmente funcionais”, disse o Peeperkorn, ressaltando que a escassez de energia e de suprimentos médicos estava colocando em risco mil pacientes renais que necessitam de diálise, 130 bebês prematuros em incubadoras, dois mil pacientes com câncer e muitos outros em ventiladores em unidades de terapia intensiva.

Ajuda ‘uma gota no oceano’

Os humanitários sublinharam que a falta de combustível também compromete a capacidade dos caminhões de ajuda que entram pela passagem de Rafah para distribuir os abastecimentos por Gaza.

Hastings sublinhou a dificuldade em levar ajuda para o norte, que está sob ordens de evacuação, mas viu pessoas deslocadas regressarem do sul devido a ataques aéreos e às condições de vida “insustentáveis” no local.

Ela também reiterou que os 74 caminhões de ajuda que foram autorizados a passar por Rafah desde 21 de outubro, com ao menos mais oito esperados, eram muito pequenos em comparação aos 450 que entravam diariamente antes da crise. “Uma gota no oceano”, de acordo com Peeperkorn, da OMS.

Samer Abdeljaber, do PMA, disse que a sua agência só conseguiu trazer menos de 2% dos alimentos necessários e entregou pão fresco e atum enlatado a meio milhão de pessoas em abrigos em Gaza. Mas, “por cada pessoa que recebe assistência, mais seis necessitam.”

Cerca de 39 caminhões do PMA estão na fronteira egípcia com Gaza ou perto dela, aguardando entrada, disse Abdeljaber, e outras agências também pré-posicionaram suprimentos lá.

Se o acesso sustentado e o combustível forem concedidos, a agência planeia levar alimentos que salvam vidas a mais de um milhão de pessoas nos próximos dois meses, disse ele.

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