Fome é usada como uma tática de guerra, afirma chefe humanitário da ONU

Países em situação mais alarmante de fome são Etiópia, Nigéria, Sudão do Sul e Iêmen, com Afeganistão e Somália em condição delicada

Representantes da ONU falaram ao Conselho de Segurança na quinta-feira (15) para destacar o efeito dos conflitos no aumento da fome em todo o mundo. A reunião foi solicitada pelas Missões do Brasil e da Irlanda.

O subsecretário-geral para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, foi o primeiro a falar e lembrou que, além de paz e segurança, o órgão da ONU se comprometeu a abordar questões de fome e insegurança alimentar induzidas por conflitos.

Segundo o chefe humanitário, os países em situação mais alarmante de fome são Etiópia, Nigéria, Sudão do Sul e Iêmen. As quatro nações estão na fase 5, a mais alta da classificação utilizada pela ONU para monitorar a insegurança alimentar. Ele ainda citou a piora na situação do Afeganistão e Somália.

Mulheres carregam ajuda humanitária no Sudão do Sul, outubro de 2020 (Foto: Unicef/Mark Naftalin)

Griffiths avalia que o aumento do sofrimento causado pela fome tem impacto direto e indireto de conflitos e enxerga um padrão nos acontecimentos: civis são atacados e deslocados, perdem suas fontes de subsistência, e a violência interrompe os mercados, a produção de comida e a geração de renda.

O resultado é a fome, que o subsecretário-geral classifica como uma “tática de guerra”.

Além dos conflitos, os países citados por Griffiths também sofrem com o impacto das mudanças climáticas.

O diretor executivo do OMA (Programa Mundial de Alimentos), David Beasley, voltou a alertar para o aprofundamento da fome em diversos lugares do mundo até o final deste ano e em 2023. Mesmo com a Iniciativa de Grãos do Mar Negro avançando, ele avalia que, sem soluções políticas, o problema deve persistir e se agravar.

Beasley citou o exemplo da região do Tigré, na Etiópia, onde uma trégua humanitária permitiu o acesso da ajuda a cerca de cinco milhões de pessoas. No entanto, uma nova onda de violência ameaça esses ganhos.

Segundo Beasley, a última temporada agrícola foi abaixo do esperado, e os dados do PMA apontam que a fome piorou ao norte da Etiópia, com 89% da população em insegurança alimentar e quase metade sem acesso a alimentos. 

Dificuldades econômicas

O economista chefe da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), Máximo Torero, destacou que interrupções na cadeia de suprimentos, perda de meios de subsistência, rendas menores e altos níveis de dívida afetam as opções econômicas para pessoas que vivem em conflitos ou outros cenários de crise.

Torero citou os efeitos econômicos no Afeganistão, que deixam muitos cidadãos em situação de vulnerabilidade que deve piorar à medida que o inverno se aproxima.

Os representantes da ONU citaram necessidade urgente de ampliar os fundos para resposta nesses países. Segundo o chefe do PMA, nos 82 países em que a agência atua, 345 milhões de pessoas estão a caminho da inanição. Ele afirma que este é um número recorde, sendo 2,5 vezes maior que antes da pandemia de Covid-19.

Beasley ainda destaca o aumento de preços e a falta de financiamento, que diminui o número de pessoas recebendo ajuda da ONU. 

Confira outros dados citados pelos líderes das Nações Unidas sobre a situação de fome nestes países:

Iêmen
  • 7 anos de conflito armado;
  • 19 milhões de pessoas, ou 60% da população, em insegurança alimentar aguda;
  • 160 mil em situação de calamidade;
  • 538 mil crianças malnutridas;
  • Preço dos alimentos subiram 70% no norte do Iêmen e 40% no sul desde o ano passado.
Sudão do Sul
  • Um dos lugares mais perigosos para trabalhadores humanitários: 319 incidentes violentos foram registrados no último ano. Entre 2021 e 2022, dez humanitários foram mortos;
  • 63% da população, 7,7 milhões de pessoas, em situação grave de insegurança alimentar neste ano;
  • 87 mil pessoas podem entrar em situação de calamidade.
Etiópia
  • 13 milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária;
  • 89% das pessoas no Tigré estão em insegurança alimentar. Dessas, metade está em situação severa;
  • 29% das crianças com menos de 5 anos estão malnutridas.
Nigéria
  • Região nordeste é a mais preocupante, com 4,1 milhões de pessoas em altos níveis de insegurança alimentar;
  • 500 mil pessoas que sofrem com a falta de alimentos não foram alcançadas pela ajuda humanitária por conta da violência;
  • 1,4 milhão de crianças com menos de cinco anos podem sofrer de má nutrição, sendo que 300 mil podem morrer sem tratamento urgente.

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