O uso de mercenários e empresas de segurança privada não é novidade, mas suas funções mudaram significativamente ao longo do tempo. Atualmente, empresas militares privadas ocidentais atuam principalmente em logística, treinamento e proteção, enquanto na Rússia e na China essas organizações desempenham papéis mais amplos e, em alguns casos, controversos. Moscou tem utilizado seus grupos paramilitares para avançar seus interesses geopolíticos, enquanto Beijing se concentra na segurança de seus investimentos no exterior. É o que aponta um estudo do think tank Jamestown Foudation.
Organizações militares privadas russas, como o Wagner Group e o Africa Corps, seguem uma tradição de formações irregulares que remonta à era soviética. Durante a Guerra Fria, Moscou usava combatentes não oficiais para atuar em países em desenvolvimento, muitas vezes em apoio a regimes aliados. Com o colapso da União Soviética, essas práticas se tornaram mais descentralizadas, mas voltaram a ganhar força nos últimos anos, com o Kremlin apostando em mercenários como ferramenta de influência militar e política.
Desde 2013, os mercenários russos estiveram envolvidos em conflitos na Síria, Líbia, Ucrânia e diversos países africanos. Seu sucesso no campo de batalha, no entanto, quase sempre depende do apoio das Forças Armadas regulares da Rússia, do uso massivo de recursos e da colaboração com grupos locais. Quando confrontados com forças tecnologicamente superiores, como na Síria em 2018 e na Líbia contra drones turcos, essas unidades sofreram derrotas expressivas.

A queda do Wagner Group, após o motim fracassado de Evgeny Prigozhin em 2023, não significou o fim da indústria mercenária russa. Muitos combatentes foram incorporados a outras empresas militares privadas ou recrutados por instituições como o Ministério da Defesa e a Guarda Nacional Russa. Paralelamente, oligarcas e governos regionais criaram suas próprias milícias privadas, intensificando a militarização da sociedade russa e a perda do monopólio estatal sobre a violência.
Já na China, as empresas de segurança privada operam sob um modelo diferente. Com o crescimento da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), Beijing percebeu a necessidade de proteger seus investimentos e cidadãos em países de alto risco. Diferentemente da Rússia, onde as empresas militares privadas são ilegais e operam nas sombras, as companhias chinesas são regulamentadas e supervisionadas pelo Estado, funcionando como extensões de sua política externa.
Embora a China tenha expandido sua presença no setor de segurança, suas empresas não atuam como forças de combate. A maioria das missões das companhias chinesas se limita à proteção de infraestruturas estratégicas e à segurança de trabalhadores e empresários chineses no exterior. Em regiões instáveis como a África Subsaariana e o Oriente Médio, essas empresas frequentemente colaboram com grupos de segurança locais para evitar atritos com governos estrangeiros e minimizar acusações de neocolonialismo.
O avanço chinês nesse setor, no entanto, enfrenta obstáculos. Beijing reluta em dar autonomia às empresas de segurança para evitar que se tornem atores independentes, como ocorreu na Rússia. Além disso, a presença de seguranças chineses armados no exterior poderia intensificar o sentimento antichinês, já crescente em países da Ásia Central e da África, onde as populações locais veem a influência da China com desconfiança.
“Os modelos chinês e russo para formações militares e de segurança privadas ressaltam os desafios de equilibrar o controle estatal, a percepção internacional e a eficácia operacional na utilização de forças de segurança privadas para interesses nacionais”, conclui o estudo. “À medida que os cenários de segurança global evoluem, o futuro dessas indústrias dependerá de sua adaptabilidade e alinhamento com as prioridades estratégicas mais amplas da Rússia e da RPC (República Popular da China).”