Pornografia é arma de justiceiros digitais para derrubar canais extremistas

Imagens sexuais são usadas por vigilantes e até por outros extremistas para tirar do ar a propaganda radical

A internet é uma das principais armas dos grupos terroristas para o recrutamento de seguidores e para divulgar suas ações e ideias radicais. Aplicativos de mensagens e redes sociais são frequentemente usados para a propaganda de organizações como Taleban, Al-Qaeda e sobretudo o Estado Islâmico (EI). Uma dessas ferramentas de divulgação jihadista era o grupo Soldiers of the Righteous Caliphate (Soldados do Califado Justo, em tradução literal), do Facebook, com pouco mais de 24 mil membros. Curiosamente, junto das imagens de decapitações e exercícios militares aparecia uma grande quantidade de imagens pornográficas. As informações são do site The Daily Beast.

A pornografia tornou-se uma das principais armas de justiceiros digitais que lutam para derrubar páginas de grupos extremistas nas redes sociais e em aplicativos mensagem. Por vezes, o conteúdo pornográfico é usado também por outros grupos extremistas que querem apenas derrubar canais ligadas a rivais. Se por uma lado os grandes players da internet falham invariavelmente em detectar conteúdo extremista, raramente deixam passar conteúdo pornográfico.

O primeiro caso do gênero de que se tem notícia ocorreu no Twitter, em 2016, quando membros do famoso grupo hacker Anonymous despejaram pornografia na linha do tempo dos apoiadores do EI. Já em setembro de 2020, usuários infiltrados espalharam pornografia em canais do Telegram administrados por apoiadores do EI, que ficaram frustrados com sua incapacidade de se livrar do conteúdo.

Algoritmos excluem postagens ofensivas ou violentas, mas medidas reforçam impunidade de propagadores (Foto: Creative Commons)

No caso recente do Facebook, imagens do Kama Sutra e desenhos animados pornográficos invadiram o grupo Soldiers of the Righteous Caliphate, que reunia sobretudo seguidores do EI. Um vigilante independente também entrou em ação, mas tendo como alvo o Taleban, e usou imagens animadas de teor sexual sugerindo que os combatentes talibãs são homossexuais.

Um relatório de segurança publicado em outubro de 2021 pelo Facebook indica que no Iraque são muito comuns os exércitos de justiceiros digitais. E uma das armas usadas por eles para derrubar os canais de grupos extremistas é a pornografia infantil, vez que a rede social tem uma política de tolerância zero para esse tipo de conteúdo. Nenhum caso do gênero foi detectado no Soldiers of the Righteous Caliphate, mas a pornografia em geral era constante até a página ser derrubada.

Muitos dos vigilantes ativos no grupo do Facebook eram membros da Força de Mobilização Popular, uma organização iraquiana patrocinada pelo Estado composta por cerca de 40 milícias, na sua maioria xiitas, para combater o EI no país. Também há sinais de grupos formados por seguidores do Taleban e do Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma facção da Al-Qaeda. Embora rivais, eles teriam deixado suas diferenças de lado e se unido contra o EI na internet. Há, ainda os vigilantes independentes, que odeiam todo tipo de extremismo e agem para derrubar o máximo de páginas possível, sejam elas do EI, da Al-Qaeda, do Taleban ou de outra organização jihadista.

O Facebook derrubou os grupos quando foi informado sobre a existências deles. Um porta-voz da Meta, empresa controladora da rede social, disse que não “permite terroristas em nossa plataforma” e que remove “conteúdo que os elogia, representa ou apoia sempre que o encontramos”.

Por que isso importa?

Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o EI e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do número de pessoas em áreas públicas. Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas investem em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.

O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.

Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.

Assim, o principal reduto tanto do EI quanto da Al-Qaeda tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-Shabaab, ISWAP, EIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global dessas duas organizações, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

Tags: