Estado Islâmico justifica temor de autoridades ocidentais e reivindica ataque na Alemanha

Cidadão sírio usou um faca para agir em um festival de rua, deixando três mortos e oito feridos na cidade de Solingen no domingo

O responsável pelo ataque a faca que matou três pessoas na cidade de Solingen, na Alemanha, na última sexta-feira (23), está preso e foi identificado pelas autoridades como Issa Al H.. Trata-se de um cidadão sírio que teria agido em nome do Estado Islâmico (EI), justificando o temor das autoridades ocidentais de que o grupo extremista voltou a ser uma ameaça global prioritária de segurança.

De acordo com a rede Deutsche Welle (DW), o indivíduo se entregou às autoridades no domingo (25) e foi levado à cidade vizinha de Karlsruhe para uma audiência judicial. Além das três pessoas mortas, oito ficaram feridas no ataque, o que rendeu contra o homem acusações de homicídio e filiação ao EI, além de outros crimes menores.

O ataque ocorreu em um festival de rua para celebrar os 650 anos da cidade de Solingen. Enquanto as forças de segurança relataram “as convicções islâmicas radicais” do acusado como motivação, o EI, ao reivindicar o ataque, disse que foi uma “vingança pelos muçulmanos na Palestina e em outros lugares”.

Embora o EI tenha reivindicado a autoria, dizendo que Issa agiu em nome do grupo, a alegação carece de confirmação independente. O ataque, de toda forma, ocorreu conforme aumenta a preocupação com o terrorismo islâmico, que voltou a orquestra operações com frequência, sobretudo na Europa.

A própria Alemanha está entre os cinco países europeus que haviam conseguido anteriormente impedir ataques da organização. Segundo o site independente russo Important Stories, os outros são Áustria, Espanha, França e Holanda.

Polícia alemã em ação (Foto: Peace for Afrin/Divulgação)

Em julho de 2023, uma operação conjunta realizada pelas polícias alemã e holandesa levou à prisão de terroristas que diziam servir ao Estado Islâmico-Khorasan (EI-K), braço afegão da organização terrorista. Os indivíduos eram cidadãos de países da Ásia Central, a maioria do Tadjiquistão. Os demais eram do Turcomenistão e do Quirguistão.

Segundo as agências de inteligência dos dois países, os detidos já haviam feito o reconhecimento dos locais onde realizariam os ataques e foram presos quando tentavam obter as armas de que necessitavam. Eles entraram na União Europeia (UE) através da Polônia, fazendo-se passar por refugiados de guerra.

Também do Tadjiquistão vieram os indivíduos presos em dezembro do ano passado em uma operação conjunta realizada pelas polícias espanhola, austríaca e alemã. Os alvos, nesse caso, seriam igrejas e outros estabelecimentos católicos nos três países. 

Não está claro, no entanto, se o ataque da última sexta está ligado ao EI ou ao EI-K. De acordo com as autoridades alemãs, o extremista preso entrou no país sob um pedido de asilo que foi negado. Ele deveria ter sido deportado, mas conseguiu permanecer na Alemanha.

Foi o EI-K o responsável pelo ataque mais impactante ocorrido na Europa recentemente. Quatro seguidores do grupo invadiram a casa de espetáculos Crocus City Hall em Moscou, na Rússia, no dia 22 de março, dispararam rifles automáticos e atearam fogo ao local, deixando 145 mortos.

O alvo preferencial do EI-K, entretanto, parece ser a França. Após o terrível ataque de Moscou, o presidente Emmanuel Macron disse que em mais de uma oportunidade suas forças de segurança frustraram ações do grupo terrorista.

Embora Macron não tenha citado em quais ocasiões o EI-K esteve por trás da ameaça, a polícia chegou a realizar operações de evacuação no Museu do Louvre e no Palácio de Versalhes, duas das principais atrações turísticas francesas, devido a suspeitas de bomba em outubro de 2023.

Os EUA igualmente se preocupam com o crescimento do grupo. Em entrevista à rede Fox News em abril, o general aposentado Frank McKenzie, ex-chefe do Comando Central (Centcom) das Forças Armadas norte-americanas, afirmou que a ameaça o EI “está crescendo” e que as forças de segurança deveriam esperar ações “contra o Estados Unidos, bem como contra os nossos parceiros e outras nações no exterior”.

Por que isso importa?

O EI passa por um processo de enfraquecimento que começou com a derrota da organização em seus dois principais redutos. No Iraque, o exército iraquiano retomou todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela facão extremista na Síria.

De acordo com relatório divulgado em agosto de 2023 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o EI “continua a comandar entre cinco mil e sete mil membros em todo o Iraque e na República Árabe da Síria, a maioria dos quais combatentes.” No entanto, “adotou deliberadamente uma estratégia para reduzir os ataques, a fim de facilitar o recrutamento e a reorganização.”

Atualmente, a maioria dos líderes do EI permanece no noroeste da Síria, mas “o grupo realocou algumas figuras-chave para outros lugares.” Um continente de forte presença da organização é a África, com afiliados locais representando uma ameaça constante aos governos da região.

Um desses afiliados é o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), que ampliou sua área de atuação, com aumento de ataques no Mali e, em menor escala, em Burkina Faso e no Níger. Recentemente, tem feito esforços para estabelecer “um corredor para a Nigéria para fins logísticos, de abastecimento e recrutamento, possivelmente em colaboração com o ISWAP” (Estado Islâmico da África Ocidental).

A avaliação da equipe de monitoramento da ONU, entregue ao Conselho de Segurança no final de julho, surge em meio a mais um momento crucial da luta contra o terrorismo. Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu diversos duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo.

O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.

“Apesar do progresso feito no direcionamento de suas operações financeiras e quadros de liderança, a ameaça representada pelo Daesh (sigla árabe para se referir ao grupo) e suas afiliadas regionais permaneceu alta e dinâmica nas amplas áreas geográficas onde está presente”, diz o relatório, citando a África como uma região de particular preocupação.

Terrorismo no Brasil

Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.

Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.

Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).

A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.

“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”

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