China planeja base militar na costa atlântica da África, diz inteligência dos EUA

EUA suspeitam que local estratégico serviria para chineses armazenarem munições, além de realizarem reparos e abastecimento de veículos militares

A China está explorando a possibilidade de erguer sua primeira base militar no Oceano Atlântico, na pequena nação africana de Guiné Equatorial, revelam relatórios confidenciais de inteligência divulgados pelo The Wall Street Journal.

Há indícios de que o local escolhido seja o pequeno porto comercial de águas profundas da cidade de Bata, reformado e ampliado no período de 2008 a 2014, obra custeada pelos chineses. Outro projeto de infraestrutura expandiu a rede de rodovias de Bata a Niefang, no leste do país. Juntos, os projetos ajudaram a lançar as bases para uma maior penetração comercial na África Central, principalmente no Gabão e na República do Congo.

Sobre a nação anfitriã, a Guiné Equatorial é uma ex-colônia espanhola com uma população de 1,4 milhão, que conquistou a independência em 1968. A capital, Malabo, fica na ilha de Bioko, enquanto Bata é a maior cidade do país, que fica entre o Gabão e Camarões. O governo está nas mãos do presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasongo há mais de 40 anos. Investigações do Senado e do Departamento de Justiça dos EUA apontaram a existência de grandes reservas offshore de gás e petróleo nos anos 90, o que teria viabilizado à família presidencial uma vida luxuosa marcada por mansões e carros de pompa.

Porto de Bata, local onde especula-se que a China ergueria sua base (Fotos: United States Naval Forces Europe-Africa/Flickr)

A China é o maior parceiro comercial da Guiné Equatorial, e uma base militar no país representaria uma vitória geopolítica para Beijing ao expandir sua rede global de locais para reparo e reabastecimento, aumentando assim as capacidades militares. E esse é o principal receio de Washington.

“A ameaça mais significativa da China seria uma instalação naval militarmente útil na costa atlântica da África”, relatou em abril o general Stephen Townsend, comandante do Comando dos EUA na África, em fala no Senado. “Por utilidade militar, seria algo mais do que um lugar onde eles podem fazer escalas e obter gás e mantimentos. Estou falando de um porto onde eles podem se rearmar com munições e consertar navios de guerra”, detalhou a autoridade militar.

Aliança com os EUA

Os EUA mantêm relações diplomáticas com Guiné Equatorial e pretendem se beneficiar dessas prerrogativas para frustrar os planos chineses. Em março, por exemplo, os norte-americanos ofereceram ajuda aos africanos depois que uma explosão aparentemente acidental destruiu uma base militar perto de Bata, matando cerca de cem pessoas. Tropas equato-guineenses também participaram de exercícios navais capitaneados pelos Estados Unidos no Golfo da Guiné neste ano.

Washington não estaria pedindo à Guiné Equatorial que corte seus laços com a China, e sim que as relações sejam mantidas dentro dos limites que classifica como “não ameaçadoras”.

“Como parte de nossa diplomacia para tratar de questões de segurança marítima, deixamos claro para a Guiné Equatorial que certas medidas potenciais envolvendo atividades [chinesas] aumentariam preocupações de segurança nacional”, declarou um alto funcionário do governo Biden.

O episódio surge como mais uma lenha na fogueira das tensões entre EUA e China, potências que têm suas diferenças sobre assuntos do país asiático que envolvem, além da ampliação da capacidade militar, as origens do coronavírus, a soberania de Taiwan enquanto território independente e o teste de um míssil hipersônico, além de outras questões.

Porto comercial da maior cidade de Guiné Equatorial, reformado e ampliado com recursos chineses (Fotos: US Naval Forces Europe-Africa/Flickr)

Por que isso importa?

O fortalecimento militar chinês gera preocupação entre os norte-americanos e é assunto de interesse global devido à questão de Taiwan. Recentemente, um oficial de defesa dos EUA que prefere não se identificar afirmou que o crescimento do arsenal chinês pode forçar a ilha a abandonar suas aspirações de soberania e definitivamente se colocar sob o domínio do Partido Comunista Chinês (PCC). Como os EUA são o principal aliado militar de Taipé, uma ação de Beijing nesse sentido poderia desencadear um conflito entre as duas superpotências.

Em caso de guerra, a supremacia militar dos EUA não é uma garantia, considerando o alto investimento da China no setor. Analistas e líderes militares ouvidos pela rede norte-americana Voice of America (VOA) afirmam inclusive que Beijing pode superar os Estados Unidos como mais poderosa força aérea do mundo na próxima década.

Em setembro, durante uma conferência militar, o general Charles Brown Jr., chefe do Estado-Maior da força aérea norte-americana, qualificou o exército chinês como detentor das “maiores forças de aviação do Pacífico”. E disse que o posto foi alcançado “debaixo de nosso nariz”, sem uma resposta à altura. Mais: ele projetou que a China pode assumir a supremacia aérea militar global em 2035.

No mesmo evento, o tenente-general S. Clinton Hinote manifestou opinião semelhante e advertiu que os EUA não acompanham os avanços da China. “Em algumas áreas importantes, estamos atrasados. E falo ‘nesta noite’. Esse não é um problema de amanhã. É de hoje”. Posteriormente, em conversa privada com jornalistas, reforçou a opinião de que os chineses já igualaram os avanços tecnológicos norte-americanos no setor.

arsenal nuclear da China também tem aumentado num ritmo muito maior que o imaginado anteriormente, levando a nação asiática a reduzir a desvantagem em relação aos Estados Unidos nessa área. Relatório recente do Pentágono sugere que Beijing pode atingir a marca de 700 ogivas nucleares ativas até 2027, tendo a meta de mil ogivas até 2030.

Por ora, o poder de fogo nuclear da China não se compara ao dos Estados Unidos, que têm cerca de 3,8 mil ogivas e não planejam ampliá-lo. Na verdade, o arsenal norte-americano foi drasticamente reduzido nos últimos anos, considerando que em 2003 eram cerca de 10 mil dispositivos ativos. Porém, se mantiver o projeto de longo prazo, a China planeja igualar ou mesmo superar tais números até 2049.1

Tags: