Cruz Vermelha diz que dois de seus funcionários foram sequestrados no Mali

Caso repete o ocorrido em janeiro deste ano, quando um médico da OMS foi raptado por homens armados no país africano

Dois indivíduos a serviço do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) foram sequestrados no final de semana no Mali, país que vive uma grave crise de segurança causada sobretudo pela ação de grupos extremistas islâmicos. As informações são da rede France 24.

De acordo com a entidade humanitária, o crime ocorreu no último sábado (18) pela manhã, no horário local, no norte do país africano, entre as cidades de Gao e Kidal.

“O CICV lamenta e exige a libertação de seus colaboradores”, disse Aminata Alassane, oficial de relações públicas do CICV, destacando que o órgão é “neutro, independente e imparcial”.

Agentes da Cruz Vermelha levam corpo de vítima da violência na cidade de Bunia, República Democrática do Congo, em maio de 2004 (Foto: UN Photo)

A segurança dos funcionários tem sido uma preocupação crescente da Cruz Vermelha no Mali. No ano passado, Martin Schuepp, diretor de operações da agência, visitou o país africano e admitiu que o “crime é abundante por lá”. Ainda assim, destacou que a entidade faz “todo o possível para alcançar os necessitados, inclusive nas áreas mais remotas do país”.

Os sequestros são comuns no Mali, e trabalhadores humanitários são um alvo habitual. Em janeiro deste ano, a vítima foi Mahamadou Diawara, um médico a serviço da OMS (Organização Mundial de Saúde). Exatamente como destacou Schuepp, o rapto ocorreu em uma área remota onde o profissional atuava.

Segundo relatou a ONU (Organização das Nações Unidas), o carro em que Diawara viajava foi atacado por homens armados, com o médico sendo levado pelos agressores. Embora tenha sido agredido, o motorista do veículo não foi raptado.

A Cruz Vermelha, por sua vez, não deu maiores detalhes sobre o sequestro de seus funcionários e pediu que não haja “especulações” sobre o ocorrido, sob o argumento de “não prejudicar a resolução” do caso.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

Quem assumiu o espaço deixado pelos franceses foi o Wagner Group, um grupo russo de mercenários que firmou acordo de cooperação com Goita. Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização russa seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.

Segundo o general francês Laurent Michon, comandante da Operação Bakhane das forças armadas da França, a retirada de suas tropas não tem nenhuma relação com a chegada dos mercenários, como se especulava. Ele diz que o governo militar maliano sempre deixou claro seu desejo de “nos ver partir sem demora”.

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