EUA treinam militares da África Ocidental em meio ao aumento da ameaça de grupos extremistas

Soldados de 29 nações africanas estão sendo treinados em táticas de contraterrorismo na edição 2023 do "Flintlock", que começou nesta semana em Gana e na Costa do Marfim

Com vistas ao aumento da violência de grupos jihadistas na região do Sahel, um grupo de soldados africanos de 29 países foi selecionado para participar de um exercício anual de contraterrorismo liderado pelas forças dos EUA. O Flintlock 2023, que começou na quinta-feira (9) e irá se estender por duas semanas, ocorre em Gana e na Costa do Marfim, reunindo mais de mil militares. As informações são da agência Associated Press.

O extremismo islâmico que afeta o Sahel, que dizimou países como Mali e Burkina Faso, tem se expandido, e os países costeiros da África Ocidental, como é o caso de Gana, temem se tornar um novo palco para as ações de grupos terroristas ligados ao Estado Islâmico (EI) e à Al-Qaeda.

Diante desse cenário, o major do Exército dos EUA, Adam Demarco, detalhou os objetivos do treinamento, o qual classifica como “crucial”.

“Os benefícios para Gana e seus países vizinhos deste treinamento específico é que ele não apenas prepara nossas nações parceiras africanas para operações de segurança marítima, mas também promove a interoperabilidade e a segurança coletiva que estamos tentando alcançar com o exercício Flintlock”, disse Demarco.

Forças ganenses participam de treinamento com militares dos EUA em Gana, no ano de 2017 (Foto: Victor Perez Vargas/U.S. Army/Flickr)

O Flintlock ocorre em um período em que, após a retirada das forças francesas do Mali e Burkina Faso, Paris enfrenta uma raiva política na África Ocidental devido às suas políticas agressivas em relação à região.

Tal sentimento anti-francês, inclusive, surgiu como uma oportunidade para a Rússia aproveitar a região, mostrando-se como uma alternativa viável de combate ao extremismo islâmico pelas mãos do Wagner Group. Por lá, enquanto a raiva contra o país liderado por Emmanuel Macron continuar fervendo, os mercenários liderados por Yevgeny Prigozhin encontrarão países dispostos a assinar acordos de segurança. 

Táticas anti-pirataria

Na quinta-feira, as tropas tiveram aulas sobre uma das principais abordagens do treinamento: como conduzir operações antipirataria. Entre as autoridades ganenses, há o temor de que os jihadistas trabalhem em colaboração com os navios piratas que agem na região, tornando as águas inseguras e causando imensos problemas para a atividade econômica dos países costeiros.

“Já sabemos que eles têm a intenção de se conectar com a pirataria e aprimorar as operações”, disse o coronel William Nortey do exército de Gana. “Isso seria uma virada de jogo para os Estados litorâneos, então precisamos evitar isso a todo custo”, acrescentou.

Por que isso importa?

Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, EI e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.

Na África Ocidental, em particular, a violência das organizações jihadistas tem aumentado. Nos últimos três anos, foram registrados mais de 5,3 mil ataques terroristas, com a morte de cerca de 16 mil pessoas. A informação foi divulgada no início de maio deste ano pelo ministro da Defesa de Gana, Dominic Nitiwul, durante reunião de representantes dos países da região.

O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.

Em fevereiro deste ano, o EI sofreu um duro golpe quando o exército norte-americano anunciou ter matado Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurashi, principal líder da facção. Durante uma operação antiterrorismo dos EUA na Síria, ele explodiu uma bomba que carregava junto ao corpo, matando também mulheres e crianças que o acompanhavam. Já em novembro, o próprio grupo revelou que Abu al-Hassan al-Hashemi al-Qurashi, sucessor de Abu Ibrahim, também foi morto.

No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio.

“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de BangladeshÍndiaMianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.

O ex-líder da organização Ayman al-Zawahri, inclusive, foi morto em território afegão em um ataque das forças armadas dos EUA no dia 1º de agosto .

Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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