Após quase nove anos, tropas francesas deixam a cidade de Timbutku, no Mali

Retirada de tropas gera dúvidas quanto à capacidade das forças de segurança locais de combaterem os jihadistas, que têm se fortalecido no país

As forças de segurança da França deixaram a cidade de Timbutku, no norte do Mali, nesta terça-feira (14). A retirada marca o fim da presença militar francesa na região após quase nove anos, em meio a um processo de drástica redução de tropas por determinação do presidente Emmanuel Macron. As informações são da agência Associated Press.

Principal aliado ocidental do Mali, a França marca presença militar no país há quase nove anos. Nesse período, foi determinante para acabar com o domínio de grupos extremistas na região norte do país. Agora, com a retirada das tropas, a grande incógnita é quanto à capacidade das forças de segurança locais de combaterem os jihadistas, que têm se fortalecido e avançado inclusive em direção a outras regiões do país.

O exército francês emitiu um comunicado nesse sentido, no qual informa que o governo do Mali mantém “uma forte guarnição em Timbuktu”, com o suporte de cerca de dois mil soldados da missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) permanentemente destacados lá.

Os militares franceses já haviam fechado suas bases em em Kidal e Tessalit, mais ao norte. Entretanto, as tropas da França permanecem na região Gao, uma área de fronteira volátil que tem sido o coração das operações nos últimos anos.

Exército francês realiza operação conjunta com forças do Níger no Sahel (Foto: Facebook/@armee2terre)

França x Rússia

A retirada de tropas francesas ocorre após o coronel Assimi Goita, que assumiu o poder no Mali através de um golpe de Estado, em fevereiro, firmar um acordo para contratação dos mercenários russos do Wagner Group. Trata-se de uma misteriosa organização paramilitar privada acusada de crimes de guerra em conflitos dos quais participou em diversas partes do mundo e que atuará no país africano para dar suporte no combate às facções extremistas.

A contratação dos mercenários foi anunciada em setembro, com um contrato avaliado em 9,1 milhões de euros (R$ 57,8 milhões). Desde o início, a iniciativa foi reprovada por Macron e contribuiu para a decisão de retirar o exército francês do país.

Wagner é uma milícia notória na Síria e na República Centro-Africana por ter cometido abusos e todos os tipos de violações que não correspondem a nenhum solução, e por isso é incompatível com a nossa presença”, disse o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Yves Le Drian.

À época do acordo, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, confirmou a informação, embora sem citar nominalmente o grupo mercenário. E culpou Paris. “Eles (governo do Mali) recorreram a uma empresa militar privada da Rússia porque, pelo que entendi, a França quer reduzir significativamente seu contingente militar, que tinha, como todos sabem, a missão de combater terroristas”.

Por que isso importa?

A instabilidade no Mali começou com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e extremistas tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio deste ano o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Militarmente, especialistas e políticos ocidentais enxergam uma geopolítica delicada na região, devido ao aumento constante da influência de grupos jihadistas e a consequente explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares. Além disso, trata-se de uma posição importante para traficantes de armas e pessoas, e o processo em curso de redução das tropas franceses, que atuam no país desde 2013, tende a piorar a situação.

Os conflitos, antes concentrados no norte do país, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. A região central do Mali se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra forças do governo.

No Brasil

Casos mostram que o país é um “porto seguro” para extremistas. Em dezembro de 2013, um levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram. Saiba mais.

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