Mali prende 49 soldados da Costa do Marfim e os declara ‘mercenários’

Marfinenses pousaram em Bamako equipados com armas e munições, sem apresentar documentos comprovativos da missão

O governo do Mali declarou como “mercenários” 49 soldados vindos da Costa do Marfim nesta segunda-feira (11). Os militares foram detidos logo na chegada ao país da África Ocidental após darem diferentes justificativas sobre a missão da qual alegadamente participariam, enquanto eram acusados de estar ali para desestabilizar a ordem local. As informações são do portal The Defense Post.

Em comunicado na TV estatal, o porta-voz do governo, Abdoulaye Maiga, detalhou que os soldados pousaram em Bamako equipados com armamentos e munições, sem portar documentos comprovativos da missão. Ele justificou a acusação ao dizer que os marfinenses desembarcaram com um “objetivo obscuro” de “impedir a proteção e reforma do Mali e seu retorno à ordem constitucional”.

“O governo de transição decidiu encaminhar este caso às autoridades judiciais competentes”, acrescentou.

Soldados do exército do Mali em exercício militar em Bamako (Foto: divulgação/africom.mil)

Em nota, o governo de transição relatou que, durante o interrogatório, os soldados deram quatro versões sobre qual seria trabalho desempenhado no país: que se tratava de missão confidencial, que faziam parte do rodízio de soldados da Minusma (Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali), que iam proteger base logística da companhia aérea alemã Sahelian Aviation Services (SAS) e que se preparavam para proteger o “contingente alemão”.

No entanto, o porta-voz da Minusma, Olivier Salgado, disse que teria notificado as autoridades malianas com antecedência sobre qualquer transferência das tropas.

O governo maliano declarou que seu Ministério das Relações Exteriores não foi informado pelos canais oficiais, destacando uma “violação flagrante” de seu código penal relacionado à integridade territorial.

Diante da situação, em resposta ao incidente, Bamako declarou o encerramento imediato da atividade de proteção da SAS por forças estrangeiras.

As notícias sobre a prisão se espalharam rapidamente nas redes sociais, com alguns usuários acusando as tropas de chegarem “para dar um golpe“.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade política que começou com o golpe de Estado em 2012, que permitiu a vários grupos rebeldes e extremistas tomar o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Militarmente, especialistas e políticos ocidentais enxergam uma geopolítica delicada no país, devido ao aumento constante da influência de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (EI) e à consequente explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares. Além disso, trata-se de uma posição importante para traficantes de armas e pessoas, e o processo em curso de redução das tropas franceses, que atuam no país desde 2013, tende a piorar a situação.

Os conflitos, antes concentrados no norte do país, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. A região central do Mali se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra forças do governo.

Colabora para piorar a situação a ruptura entre o governo maliano e seu principal parceiro ocidental para gestão da segurança, a França. Desde o ano passado, as forças armadas francesas iniciaram um processo de retirada de tropas, o que gerou dúvidas quanto à capacidade de o Mali sustentar os avanços na luta contra o jihadismo.

Uma das razões para a retirada francesa foi o acordo com os mercenários do Wagner Group firmado pelo coronel Assimi Goita, que assumiu o poder no golpe de Estado de maio de 2021. Paris e as demais nações ocidentais contestam a parceria e acusam a organização russa, supostamente ligada ao Kremlin, de cometer crimes de guerra em conflitos nos quais esteve envolvida em todo o mundo.

Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que vem da extração de minerais, acreditam especialistas. O governo do Mali, entretanto, alega que os russos são apenas instrutores e “não estão em funções de combate”.

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