Nova acusação amplia lista de massacres de civis atribuídos à junta militar do Mali

Denúncia mais recente, feita pela Anistia Internacional, cita um ataque com drones que matou 13 pessoas no dia 17 de março

Um ataque conduzido por drones das Forças Armadas do Mali deixou 13 civis mortos, incluindo sete crianças, na região maliana de Gao no dia 17 de março. A denúncia de que o governo foi responsável pela ação foi feita pela Anistia Internacional e engrossa a lista de massacres de cidadãos indefesos atribuídos à junta militar.

A ONG diz que o governo não nega a ofensiva, mas argumenta que ela teve como objetivo “neutralizar muitos terroristas e alguns dos seus veículos.” Testemunhas ouvidas pela Anistia confirmam que um carro usado por insurgentes foi atingido, mas alegam que um segundo ataque teve como alvo um abrigo improvisado onde se escondiam civis.

“Minha esposa e seis dos meus filhos estavam abrigados lá e todos foram mortos pelo ataque. As outras vítimas eram amigos e conhecidos que simplesmente buscavam proteção naquele complexo”, disse uma das testemunhas, um sobrevivente do ataque.

Além dos 13 mortos, mais de uma dúzia de pessoas se feriu. A ofensiva militar ocorreu em maio à ação intensa das Forças Armadas para combater grupos jihadistas. Porém, têm sido frequentes os episódios em que civis são vitimados pelos militares no fogo cruzado.

“As autoridades do Mali devem cumprir as suas responsabilidades ao abrigo do direito internacional, que exige que todas as partes num conflito armado diferenciem civis e combatentes e se abstenham de conduzir ataques direcionados ou indiscriminados contra civis”, afirmou Samira Daoud, diretora regional da Anistia Internacional para a África Central e Ocidental.

Assimi Goita, coronel que governa o Mali, escoltado pelo exército (Foto: Twitter/PresidenceMali)

No início de fevereiro, o Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) também atribuiu à junta militar um massacre realizado na aldeia de Welingara, região central de Nara, no Mali.  Ao menos 25 pessoas foram sumariamente executadas pelas Forças Armadas, que contaram com o apoio de “militares estrangeiros” na ação.

A violência levou o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, a se manifestar, dizendo-se “consternado com as alegações credíveis” de que a responsabilidade recai sobre o Exército do Mali, comandado pelo coronel Assimi Goita, que governa o país desde o golpe de Estado de maio de 2021.

Segundo Türk, aquele não foi o único episódio do gênero registrado nos últimos dias. No final de semana que se seguiu ao massacre de Welingara, cerca de 30 civis foram mortos em ação semelhante, embora neste caso as Forças Armadas não tenham sido nominalmente apontadas como responsáveis.

O ACNUDH destacou ainda outras duas ocorrências violentas registradas em 2023 que seguem os mesmos padrões. Em 24 de setembro, 14 pastores foram alegadamente executados em Ndoupa, na região de Segou, e em 5 de outubro outros 17 civis foram alegadamente executados na aldeia de Ersane, região de Gao.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes. O espaço deixado pelos franceses foi assumido inicialmente pelos mercenários do Wagner Group, da Rússia.

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