ONU denuncia execuções sumárias pelo Exército do Mali e indica participação do Wagner Group

Ao menos 25 pessoas foram mortas em uma aldeia na região central do país, com um segundo massacre registrado logo a seguir

Há exatamente uma semana, no dia 26 de janeiro, ao menos 25 pessoas foram sumariamente executadas na aldeia de Welingara, região central de Nara, no Mali. De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), todos os indícios sugerem que a ação foi liderada pelas Forças Armadas malianas, com o apoio de “militares estrangeiros”.

A violência levou o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, a se manifestar, dizendo-se “consternado com as alegações credíveis” de que a responsabilidade recai sobre o Exército do Mali, comandado pelo coronel Assimi Goita, que governa o país desde o golpe de Estado de maio de 2021.

Segundo Türk, aquele não foi o único episódio do gênero registrado nos últimos dias. No final de semana que se seguiu ao massacre de Welingara, cerca de 30 civis foram mortos em ação semelhante, embora neste caso as Forças Armadas não tenham sido nominalmente apontadas como responsáveis.

De acordo com as Nações Unidas, a segunda ação foi perpetradas por “homens armados ainda não identificados em duas outras aldeias – Ogota e Oimbe – na região de Bandiagara.”

Assimi Goita, coronel que governa o Mali, escoltado pelo exército (Foto: Twitter/PresidenceMali)

Quando a ONU alega que os soldados malianos foram apoiados por “militares estrangeiros” nas execuções sumárias, tudo indica se tratar do Wagner Group, organização paramilitar privada russa que firmou uma acordo com Goita para apoiar o Exército em operações de segurança, cujo principal objetivo é conter grupos extremistas islâmicos que atuam no país africano.

Um dos efeitos da parceria com a organização russa é o fim da a Minusma, a missão de paz da ONU no Mali, que foi desfeita por determinação do governo local. Segundo o ministro das Relações Exteriores maliano Abdoulaye Diop, a missão “se tornou parte do problema ao alimentar as tensões intercomunitárias” na nação.

A missão das Nações Unidas desempenhou um papel crucial na proteção dos civis contra a insurgência islâmica, que já causou milhares de mortes. Criada em 2013, a Minusma é a missão com maior número de baixas desde que foi estabelecida pelas Nações Unidas, em 2013, com 309 mortes. Chade, Bangladesh e Egito são os países que mais cedem militares à missão.

Massacres frequentes

O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) destacou ainda outras duas ocorrências violentas registradas em 2023 que seguem os mesmos padrões de Welingara. Em 24 de setembro, 14 pastores foram alegadamente executados em Ndoupa, na região de Segou, e em 5 de outubro outros 17 civis foram alegadamente executados na aldeia de Ersane, região de Gao.

“É essencial que todas as alegações de privações arbitrárias da vida, incluindo execuções sumárias, sejam investigadas de forma completa e imparcial e que os responsáveis ​​sejam levados à justiça em julgamentos que respeitem as normas internacionais”, disse Türk, cobrando ainda do governo que assegure a proteção da população. “A violência contra civis, bem como contra pessoas fora de combate, é estritamente proibida.”

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando grupos rebeldes e insurgentes islâmicos tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos ingressos dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem os militares na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao Estado Islâmico (EI), o que levou a uma explosão de violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação tornou-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto de 2022 colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris de evacuar seus militares gerou dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

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