ONG denuncia ‘centenas’ de mortes causadas por grupos extremistas no Mali

Human Rights Watch atribui violência ao Estado Islâmico no Grande Saara, que ataca sobretudo aldeias no nordeste do país

“Grupos armados islâmicos no Mali mataram centenas de pessoas e forçaram dezenas de milhares a fugir de suas aldeias durante ataques aparentemente sistemáticos desde março de 2022″. A afirmação é da ONG Human Rights Watch (HRW), que na quinta-feira (27) publicou um relatório sobre a violência jihadista no país africano.

A entidade atribui a violência ao Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), que ataca sobretudo aldeias das regiões de Menaka e Gao, no nordeste do país, perto da fronteira com o Níger. “Esses ataques têm como alvo em grande parte a etnia Dawsahak, um grupo étnico tuaregue”, diz o relatório.

Para elaborar o documento, a HRW entrevistou 30 pessoas que testemunharam ataques em 15 aldeias. Elas dizem que as ações são realizadas por homens fortemente armados em veículos motorizados, principalmente motocicletas. Os agressores atiram indiscriminadamente, executam sumariamente os homens, saqueiam e destroem as propriedades dos cidadãos locais.

“Grupos armados islâmicos no nordeste do Mali realizaram ataques aterrorizantes e aparentemente coordenados contra aldeias, massacrando civis, saqueando casas e destruindo propriedades”, disse Jehanne Henry, consultora sênior para África da HRW. “O governo do Mali precisa fazer mais para proteger os aldeões em risco particular de ataque e fornecer-lhes maior assistência.”

Assimi Goita, coronel que governa o Mali, escoltado pelo exército (Foto: Twitter/PresidenceMali)

O poder do EIGS nas regiões citadas tem crescido porque o grupo, filiado ao Estado Islâmico (E) do Iraque e da Síria, passou a liderar uma grande frente armada que engloba outros grupos armados, todos agora sobre a tutela da principal organização extremista ativa no país.

“Além disso, ex-grupos rebeldes tuaregues, alinhados com o governo do Mali desde um acordo de paz de 2015, estão presentes. Notadamente uma facção Dawsahak do Movimento Nacional Tuareg para a Libertação de Azawad (MSA-D, na sigla em francês) e o Grupo de Autodefesa Imghad Tuareg e Aliados (GATIA, na sigla em francês)”, diz a ONG.

Um levantamento feito pela entidade, com base em informações fornecidas por líderes comunitários, indica que cerca de mil civis foram mortos desde março no nordeste do Mali. Uma fonte afirmou que ao menos 492 pessoas morreram em ações de insurgentes entre março e junho apenas na região de Gao. Porém, acredita-se que o número é muito maior, pois nem todos os locais atacados foram investigados.

Por que isso importa?

O Mali vive um período de instabilidade que começou com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e extremistas tomaram o poder no norte do país. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em maio de 2021 o terceiro golpe de Estado em um intervalo de apenas dez anos, seguindo o que já havia ocorrido em 2012 e também em 2020.

A mais recente turbulência política começou semanas antes do golpe, com a demissão do primeiro-ministro Moctar Ouane pelo presidente Bah Ndaw. Reconduzido ao cargo pouco depois, Ouane não conseguiu formar um novo governo, e a tensão aumentou com a falta de pagamento dos salários dos professores. O maior sindicato da categoria, então, começou a se preparar para uma greve.

Veio a noite do dia 24 de maio, quando o coronel Assimi Goita, vice-presidente do país, destituiu Ndaw e Ouane de seus cargos e ordenou a prisão de ambos na capital Bamako. Segundo ele, os dois líderes civis violaram a carta de transição ao não consultarem o militar na formação do novo governo.

Ao contrário do que ocorreu em golpes anteriores, que contaram com apoio popular, desta vez a maior parte da população malinesa rejeitou a tomada de poder por Goita, que derrubou o governo de transição recém-instituído e assumiu o comando do país. A população civil não foi às ruas protestar contra o militar, mas usou as redes sociais para mostrar sua insatisfação.

Em meio à instabilidade política, cresceu no país a presença de grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda e principalmente ao EI, o que levou a uma explosão da violência nos confrontos entre extremistas e militares, com milhares de civis entre as vítimas.

Os conflitos, antes concentrados no norte do Mali, se expandiram inclusive para os vizinhos Burkina Faso e Níger. Assim, a região central maliana se tornou um dos pontos mais violentos de todo o Sahel africano, com frequentes assassinatos étnicos e ataques extremistas contra as forças do governo.

A situação torna-se ainda mais delicada devido à retirada das tropas da França, que até agosto deste ano colaboravam com o governo nacional nas operações de contraterrorismo. A decisão de Paris gera dúvidas quanto à capacidade de o país africano sustentar os avanços obtidos na luta contra os insurgentes.

Quem assumiu o vácuo dos franceses foi o Wagner Group, um grupo russo de mercenários que firmou acordo de cooperação com Goita. Fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização russa seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.

Segundo o general francês Laurent Michon, comandante da Operação Bakhane das forças armadas da França, a retirada de suas tropas não tem nenhuma relação com a chegada dos mercenários, como se especulava. Ele diz que o governo militar maliano desde o início deixou claro seu desejo de “nos ver partir sem demora”.

Tags: