Possível acordo entre Mali e mercenários do Wagner Group preocupa a França

Junta militar que governa o país estaria perto de contratar mil combatentes da misteriosa organização russa de mercenários

A França advertiu o Mali nesta terça-feira (14) sobre os riscos de um acordo com o Wagner Group, em meio a demonstrações de que o governo militar do país estaria perto de contratar mil combatentes da misteriosa organização mercenária, informou a rede France24.

A informação foi dada por fontes diplomáticas e de segurança francesas, segundo as quais a junta militar à frente do país africano estaria próxima de um aperto de mãos com os mercenários russos.

O episódio apontaria para uma vertiginosa influência de Moscou na região e consequente oposição da França, já que o governo Macron destacou tropas para o oeste do Sahel, onde as forças passaram oito anos lutando contra grupos jihadistas na conturbada região.

“Wagner é uma milícia que se mostrou no passado na Síria e na República Centro-Africana por ter cometido abusos e todos os tipos de violações que não correspondem a nenhum solução, e por isso é incompatível com a nossa presença”, disse o ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Yves Le Drian, a parlamentares.

O coronel Assimi Goita, após a criação do governo de transição do Mali, formado por uma junta militar (Foto: Reprodução/Facebook/Vice-Président Assimi GOÏTA)

Diante de uma comissão parlamentar, a ministra das Forças Armadas, Florence Parly, revelou estar “extremamente preocupada” com tal acordo.

Fontes disseram que o pagamento pelos serviços do Wagner Group seria de US$ 10,8 milhões (cerca de R$ 56,7 milhões) por mês. Outro informante que trabalha na região disse que os combatentes treinariam militares do Mali e forneceriam proteção para oficiais graduados.

O episódio acontece em meio ao processo de redução das tropas francesas do Sahel africano, por ordem do presidente Emmanuel Macron. A missão Barkhane teve início em 2013, e desde então 55 soldados franceses morreram em combate ou ataques terroristas da Al-Qaeda e insurgentes afiliados ao Estado Islâmico (EI). Atualmente, 5,1 mil militares do país estão ativos por lá. 

“Os franceses estão recuando, estão partindo, especialmente no norte do Mali. A Operação Barkhane tem mais de 5 mil soldados no Mali. Então o jogo é entre superpotências, onde digamos que Moscou estará mandando esses caras para o chão quando a França estiver saindo”, acrescentou Payen.

A ministra ressaltou que o mistério em torno da organização dificulta a compreensão dos seus propósitos. “Eles são conhecidos por trabalharem na Ucrânia, no Sudão e em muitos lugares onde treinam em segredo, vivem em segredo. É extremamente difícil falar com essas pessoas para saber exatamente quem são e qual é seu propósito. E elas também morrem em segredo”, ponderou.

Aproximação russa

Para Moscou, a presença de mercenários russos no Mali serviria para aumentar o prestígio e a influência globais, além de ser parte de uma agenda para interferir na dinâmica de poder de longa data na África.

De acordo com reportagem da agência catari Al Jazeera, ao passo em que as relações com a França pioraram, o governo militar do Mali ampliou laços com a Rússia. O ministro da Defesa maliano, Sadio Camara, esteve em Moscou no começo de setembro e supervisionou exercícios com tanques.

Uma fonte do Ministério da Defesa do Mali disse à Reuters no início desta semana que a visita teve caráter de “cooperação e assistência militar” e não deu mais detalhes.

O Kremlin nega a aproximação. Um diplomata da embaixada russa no Mali disse à AFP que “não temos conhecimento de nenhum contrato sendo assinado entre Mali e Wagner” e que a embaixada “não foi o intermediário”.

Organização obscura

Oficialmente, o Wagner Group sequer existe. Mas há indícios de que ao menos 10 mil pessoas já atuaram para a misteriosa organização, cuja primeira empreitada de que se tem notícia foi em 2014, quando se aliou a separatistas pró-Rússia contra o governo da Ucrânia. Desde então, há sinais de presença do grupo em conflitos em diversos países, como Líbia, Síria, Sudão, Moçambique e República Centro Africana.

Em agosto, um tablet perdido ajudou a expor os segredos da organização. Uma reportagem da rede britânica BBC teve acesso ao equipamento, que expõe a participação da milícia na guerra civil da Líbia, sugere a proximidade entre associados do grupo e o governo russo e dá fortes indícios de que os mercenários são responsáveis por inúmeros crimes de guerra.

Por que isso importa?

A instabilidade no Mali começou com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e extremistas tomaram o poder no norte do país durante dez meses. De quebra, a nação, independente desde 1960, viveu em agosto do ano passado o quarto golpe militar na sua história.

Especialistas e políticos ocidentais enxergam uma geopolítica delicada na região, devido ao aumento constante da influência de grupos jihadistas. Além disso, trata-se de uma posição importante para traficantes de armas e pessoas. A retirada das tropas de Macron tende a aumentar a violência.



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