A violência jihadista tem se alastrado pelo continente africano e começa a ameaçar as nações costeiras da África Ocidental. Nos últimos anos, grupos afiliados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (EI) expandiram sua presença desde o Sahel, a vastidão árida ao sul do deserto do Saara, até os países mais prósperos à beira do Atlântico.
Lá atrás, acreditava-se que os militantes visavam utilizar nações ao longo do Golfo da Guiné, como Benin, Togo e Gana como plataformas para ataques direcionados aos governos do Sahel. No entanto, hoje em dia, observa-se uma profunda consolidação da insurgência, segundo reportagem da agência Associated Press (AP).
A atividade extremista na região muitas vezes envolve recrutamento, criação de células locais e ações violentas contra civis, como evidenciado pelo aumento de incidentes relatados. O norte do Benim, em particular, tem sido um foco, onde os jihadistas buscam recrutar e criar divisões nas comunidades locais.
O Benim, aliás, foi o epicentro de uma expansão preocupante, registrando em 2023 mais de dez vezes o número de incidentes violentos ligados a jihadistas do que o Togo, segundo o Armed Conflict Location & Event Data Project, um projeto que coleta e analisa dados sobre conflitos armados e eventos violentos em todo o mundo.
Os ataques de jihadistas contra civis no Benin quase triplicaram em comparação com o ano passado, passando de mais de 30 para aproximadamente 80. O total de incidentes envolvendo grupos jihadistas aumentou mais de 70%.
Segundo Kars de Bruijne, pesquisador sênior e chefe do programa Sahel no Instituto Clingendael, há uma expansão significativa, com atividade regular e estabelecimento de células.
Ele observa que a presença dos jihadistas no Benim concentra-se no norte do país, onde buscam recrutar e criar divisões nas populações locais. Moradores de uma pequena cidade relataram à AP no mês passado que os civis não podem mais se movimentar livremente, sendo alvo das ações dos combatentes.
Os sequestros realizados por insurgentes no país passaram de nenhum em 2021 para 33 neste ano, conforme apontado pela Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, que examinou dados do Projeto de Localização de Conflitos Armados e Eventos (ACLED, da sigla em inglês), além de outras fontes. Os residentes também relatam um aumento nas explosões.
Apesar dos esforços do governo para fortalecer suas fronteiras, os habitantes do norte do Benim afirmam que também está tentando minimizar a extensão da crise para preservar sua imagem. Nesse cenário, há repressão à liberdade de expressão, com jornalistas sendo detidos por relatarem sobre a insegurança.
Ameaça espalhada pelo continente
Vários países na África têm enfrentado a ameaça do terrorismo. Entre eles:
Níger: O norte do Níger, especialmente na região do Sahel, tem enfrentado atividades jihadistas.
Mali: O Mali tem sido afetado por grupos jihadistas, especialmente no norte do país.
Burkina Faso: Burkina Faso tem experimentado um aumento nas atividades jihadistas, principalmente na região do Sahel.
Nigéria: O grupo Boko Haram opera na região nordeste da Nigéria e também em países vizinhos, como Camarões, Chade e Níger.
Mauritânia: Embora tenha implementado medidas eficazes de segurança, a Mauritânia enfrentou ameaças jihadistas.
Costa do Marfim: Embora tenha experimentado ataques isolados, a Costa do Marfim está ciente da ameaça jihadista.
Senegal: Embora historicamente tenha sido mais estável, o Senegal tem intensificado medidas de segurança devido à crescente ameaça.
Tunísia: O país enfrentou ataques de grupos jihadistas, principalmente na fronteira com a Líbia.
Somália: A Somália tem uma longa história de conflitos envolvendo grupos como o Al-Shabaab.
Por que isso importa?
Embora as ações antiterrorismo globais tenham enfraquecido os dois principais grupos jihadistas do mundo, Estado Islâmico (EI) e Al-Qaeda, ambos conseguem se manter relevantes e atuantes. A estratégia dessas duas organizações inclui o recrutamento de novos seguidores através da internet e a forte presença em zonas de conflito como a África, onde são representadas por grupos afiliados regionais. O Afeganistão, agora sob o comando do Taleban, também é um porto seguro para muitos jihadistas.
Na África Ocidental, em particular, a violência das organizações jihadistas tem aumentado. Nos últimos três anos, foram registrados mais de 5,3 mil ataques terroristas, com a morte de cerca de 16 mil pessoas. A informação foi divulgada no início de maio deste ano pelo ministro da Defesa de Gana, Dominic Nitiwul, durante reunião de representantes dos países da região.
O continente africano ganhou importância em meio às derrotas impostas às grandes organizações jihadistas em outras regiões, caso do Oriente Médio. Em 2017, o exército iraquiano anunciou a derrota do EI no Iraque, com a retomada de todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. O EI, que chegou a controlar um terço do país, hoje mantém por lá apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas do grupo na Síria.
Em janeiro deste ano, o exército norte-americano impôs nova derrota ao EI com o anúncio da morte de Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção. Ele morreu durante uma operação antiterrorismo na Síria, em mais um duro golpe contra o grupo, que em 2019 havia perdido o líder anterior, Abu Bakr al-Baghdadi.
No caso da Al-Qaeda, que igualmente mantém facções relevantes na África, a sobrevivência do grupo pode ser explicada também pela tomada de poder pelo Taleban no Afeganistão. “As avaliações dos Estados-Membros até agora sugerem que a Al-Qaeda tem um porto seguro sob o Taleban e maior liberdade de ação”, diz relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgado no final de maio.
“A Al-Qaeda permanece no sul e leste do Afeganistão, onde tem uma presença histórica”, diz o relatório. “O grupo supostamente tem de 180 a 400 combatentes, com as estimativas dos Estados-Membros inclinando-se para o número mais baixo”, prossegue o documento, que cita cidadãos de Bangladesh, Índia, Mianmar e Paquistão como sendo integrantes da facção.
O documento destaca, ainda, que “a Al-Qaeda usou a ascensão do Taleban para atrair novos recrutas e financiamento e inspirar os afiliados da Al-Qaeda globalmente”. E que o atual líder da organização, Ayman al-Zawahri, que foi o braço direito do famoso terrorista Osama Bin Laden, continua a viver no Afeganistão, bem como seus comandantes mais próximos.
Anteriormente, a ONU já havia lembrado que a Al-Qaeda chegou a parabenizar publicamente os talibãs pela ascensão ao poder. E alegou que um filho de Bin Laden, Abdallah, visitou o Afeganistão em outubro de 2021 para reuniões com o Taleban.