Analistas alertam: sem o apoio ocidental à Ucrânia, vitória da Rússia seria inevitável

Tanto os EUA quanto a Europa ameaçam cortar a ajuda a Kiev, isso no momento em que a indústria de Defesa russa se fortalece

A bipolarização política nos EUA e na União Europeia (UE) pode ter um impacto severo sobre as Forças Armadas da Ucrânia. Em Washington, é crescente a rejeição dos republicanos à manutenção do apoio financeiro e militar a Kiev, enquanto o bloco europeu precisa lidar com as ameaças de veto da Hungria. Na visão de analistas ouvidos pelo site Business Insider, se o apoio realmente for interrompido, o triunfo da Rússia seria inevitável.

De acordo com o think tank Instituto Kiel para a Economia Mundial, o cenário catastrófico já começa a se formar, com uma queda considerável do apoio à Ucrânia. Análise publicada na semana passada aponta que “a ajuda recentemente comprometida atingiu um novo mínimo entre agosto e outubro de 2023”, uma redução de quase 90% em relação ao mesmo período no ano passado.

“A Ucrânia depende agora cada vez mais de um grupo central de doadores, como os EUA, a Alemanha, os países nórdicos e do Leste Europeu, que continuam prometendo fornecer ajuda financeira e armamento importante”, diz o think tank.

Entretanto, o futuro é incerto, vez que a UE ainda não aprovou novos pacotes, enquanto a ajuda dos EUA depende um acordo político que vem sendo exaustivamente debatido, até agora sem sucesso, entre os partidos Republicano e Democrata.

Na opinião de George Barros, chefe da equipe de inteligência geoespacial do think tank Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), haveria um único desfecho possível caso o apoio a Kiev fosse encerrado definitivamente. “Se o Ocidente cortar a ajuda à Ucrânia, a Rússia vencerá”, disse ele.

Soldados das forças armadas da Ucrânia na guerra contra a Rússia (Foto: facebook.com/GeneralStaff.ua)
O fator Orbán

A Europa vive indefinição protagonizada pela Hungria e seu primeiro-ministro, Viktor Orbán, mais importante aliado de Putin no continente. Nesta quinta-feira (14) começou uma cúpula de dois dias envolvendo ministros das Relações Exteriores dos países-membros da UE, e Budapeste já deixou claro que tem posição dissonante dos demais quanto à guerra da Ucrânia.

No que depender de Orbán, a proposta de abrir um fundo especial adicional de 50 bilhões de euros em apoio financeiro a Kiev será vetada, bem como a ainda distante intenção de tornar a Ucrânia membro da UE. Sob tal contexto, o apoio militar coletivo dos europeus ao governo ucraniano estaria igualmente com os dias contados, vez que o bloco exige unanimidade para a aprovação dessas medidas.

Em uma tentativa desesperada de seduzir o líder húngaro, a Comissão Europeia anunciou na abertura da cúpula a liberação de 10 bilhões de euros em fundos do país, que haviam sido bloqueados porque a UE questiona o atual estado da democracia na Hungria.

Democratas x republicanos

Em Washington a situação é igualmente delicada, e os republicanos já vetaram um pacote de US$ 60 bilhões destinado não somente à Ucrânia, mas também a Israel e Taiwan. Para apoiar os democratas na ajuda aos aliados, a oposição exige contrapartidas do presidente Joe Biden em questões ligadas a imigração e segurança de fronteira dos EUA.

Os analistas ouvidos pelo Business Insider alertam que a questão norte-americana exige maior atenção por parte de Kiev. Dan Rice, presidente da Universidade Americana de Kiev, avalia que o fim dos pacotes de ajuda dos EUA seria fatal para as Forças Armadas ucranianas, cujo acesso a armas e outros equipamentos militares é reduzido sem os arsenais ocidentais.

Mais que a derrota no campo de batalhas, essa situação levaria “a um massacre, a estupros, a pilhagens e a uma vingança de proporções trágicas e históricas”, segundo ele, um defensor do apoio militar amplo por parte do Ocidente à Ucrânia.

Rússia em recuperação

Um segundo fator ajudaria a definir o conflito: o fortalecimento recente das tropas russas, escorado no foco maior dado pela indústria local ao setor de Defesa. O alerta foi feito por Justin Bronk, professor da Academia Real da Força Aérea Norueguesa e pesquisador do think tank britânico Royal United Services Institute (RUSI).

“Durante grande parte do ano, as forças russas na Ucrânia têm sofrido com uma escassez significativa de veículos, armas e, acima de tudo, munições. No entanto, desde um ponto baixo na primavera, a situação do abastecimento militar da Rússia tem melhorado continuamente”, disse Bronk em um artigo publicado na semana passada. 

Como os colegas, ele também faz uma projeção favorável a Moscou sem o suporte ocidental: “A Rússia está se preparando para uma longa guerra, com o objetivo de esmagar a Ucrânia e esgotar a capacidade e a vontade dos seus apoiadores ocidentais para fornecer os veículos, munições e armas de que necessita para continuar a lutar com sucesso.”

Falta de munição

Para que o apoio a Kiev seja mantido, não basta apenas vontade política. Os especialistas dizem que é crucial aumentar a produção de munição nos países ocidentais, eles próprios com estoques reduzidos. Os EUA já agiram nesse sentido, e até 2025 pretendem aumentar a produção de artilharia de 155 milímetros das atuais 30 mil unidades por mês para cem mil, de acordo com o Business Insider.

“Chegar a essas taxas de produção mais altas é uma situação em que todos ganham”, explicou Douglas R. Bush, secretário adjunto do Exército norte-americano para aquisições, logística e tecnologia. “Podemos apoiar mais a Ucrânia ou Israel, mas isso também significa que podemos reconstruir os nossos estoques muito mais rapidamente do que se não fizermos esses investimentos.”

A situação delicada já havia sido destacada em outubro pelo almirante Rob Bauer, chefe do Comitê Militar da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que se manifestou durante o Fórum de Segurança de Varsóvia. “O fundo do barril é visível”, disse ele na ocasião.

Bauer enfatizou a necessidade de governos e fabricantes do setor de Defesa aumentarem a produção de munições de forma significativa e afirmou que décadas de falta de investimento adequado resultaram em países da Otan fornecendo armas à Ucrânia com estoques de munição já escassos.

Zelensky e Biden unidos

A fim de reforçar a dependência de suas tropas em relação ao apoio ocidental e tentar seduzir os republicanos, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky esteve em Washington nesta semana.

“Cada um de vocês aqui entende o que significa para um soldado esperar por munição, esperar semanas, meses, sem saber se o apoio chegará”, disse ele em discurso na Universidade de Defesa Nacional, segundo reportou a rede CNN.

As palavras, porém, parecem não ter seduzido os oposicionistas, como relatou a rede BBC. “Eu o admiro, mas ele não mudou minha opinião sobre o que precisamos fazer”, disse a senadora republicana Lindsey Graham, da Carolina do Sul. Segundo ela, só quem pode mudar a situação é Biden: “Eu sei o que precisa acontecer para conseguir um acordo. Quero proteger nossa fronteira.”

Conforme as negociações se arrastam, resta ao presidente norte-americano fazer coro com o homólogo ucraniano e alertar para os riscos do corte no apoio a Kiev. “Putin aposta que os Estados Unidos não conseguirão cumprir a promessa da Ucrânia. Devemos, devemos, devemos provar que ele está errado”, declarou Biden, segundo comunicado publicado pela Casa Branca.

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