Por André Amaral
No final de novembro, a Guarda Civil da Espanha anunciou a detenção de dois irmãos brasileiros, Thaylan Padilha Palomanes e Thauann Padilha, suspeitos de terem vínculos com o Estado Islâmico (EI). Eles enfrentam acusações de consumir e divulgar propaganda do EI na internet, incluindo manuais de fabricação de explosivos. Há expectativas de que ambos possam ser extraditados para o Brasil para enfrentar o processo aberto pela Justiça espanhola.
Se as autoridades brasileiras desejarem que os irmãos respondam por seus supostos crimes no Brasil, elas podem formalizar um pedido de extradição às autoridades espanholas. Nesse caso, Madri avalia o pedido com base nos tratados de extradição e nas leis aplicáveis. Fatores como a gravidade dos crimes e os tratados existentes entre os países podem influenciar nessa avaliação.
O possível cenário futuro para os acusados foi analisado por Rubens Beçak, professor da FDRP-USP, livre-docente em Teoria Geral do Estado pela USP e professor visitante da Universidade de Salamanca, na Espanha, no curso Master em Estudos Brasileiros. Em conversa com A Referência, ele falou sobre as implicações legais da prisão, a possibilidade de extradição e o agravante da atividade de terrorismo.
“As pessoas são perseguidas de acordo com a legislação do país em que estão, então, é natural que existam essas investigações”, disse o professor, observando que há uma ressurgência mundial do sectarismo e do terrorismo em nível mundial que justificam essas operações, particularmente após o 11 de Setembro.
Beçak acrescentou que se no curso da investigação as autoridades entenderem que cabe o translado judicial, os irmãos serão extraditados para julgamento no Brasil.
“Um processo de extradição é um processo de expulsão, mas um processo de expulsão direcionado. Quer dizer, as pessoas são enviadas necessariamente ao seu país nacional para que possam ser ali investigadas e processadas”, detalhou.
O professor observa ainda que a ligação com o Estado Islâmico é um agravante no caso.
“Pertencer a alguma organização não é problema nenhum. Pessoas podem ter preferências políticas, isso é outra questão. Mas pertencer a uma organização que se dedica ao terrorismo, e o Estado Islâmico provou isso nos anos de insurgência no Oriente Médio, provocando atentados no mundo todo, é um agravante”.
Por conta disso, o terrorismo é combatido de uma forma diferenciada, disse Beçak.
“É uma entidade que provoca danos em vários lugares e atenta contra a vida. Atenta contra as instituições e provoca o terrorismo. Ela provoca um medo social“, ressaltou.
As implicações legais de um indivíduo ser extraditado ao Brasil, segundo Beçak, são de que ele será julgado de acordo com as leis brasileiras, e o Estado que o extradita se apoia juridicamente nisso.
“Quer dizer, se os cidadãos brasileiros, no caso, os irmãos, vierem eventualmente a ser extraditados, a Espanha não pode depois abrir um processo e condenar por lá. Quer dizer, um Estado passa ao outro o comando da investigação”.
Nesse caso, o Brasil ficaria responsável por tudo o que vem depois, inclusive do processo, e as autoridades espanholas devem aceitar a decisão tomada. “A Espanha não pode depois dizer: ‘Ah, eu não gostei da decisão que vocês tomaram’, quer seja de absolvição, quer seja de condenação, e mudar de ideia. Não existe isso”.
Beçak acrescentou que o Brasil extradita estrangeiros nacionais de outros países, mas exige que a pessoa não cumpra uma pena maior do que ela cumpriria se estivesse em território brasileiro. “Você fica com a garantia de que a pessoa, vindo a ser condenada, não receba uma pena maior no país a que ela pertence do que receberia na Espanha”, explicou.
Ficha criminal
Em 2014, Thaylan e Thauann foram acusados de homicídio no Rio de Janeiro, envolvendo a morte do iraniano Millad Mille Hosseini Ballaai. Naturais de São Paulo, os irmãos trabalhavam na cozinha da pousada da vítima em troca de hospedagem. Detidos dias antes por venda de drogas na pousada, foram considerados foragidos. Apesar das acusações, foram absolvidos ao final do processo pela Justiça, segundo a agência Reuters.
Um processo de extradição não seria algo novo na vida de Thaylan. Ele já foi extraditado de Portugal para o Brasil em 2018 por causa do processo de homicídio do iraniano. No entanto, ele e o irmão foram considerados inocentes no final do julgamento.
Entenda o caso
De acordo com o jornal espanhol República, os detidos são acusados de consumir e divulgar propaganda da organização extremista na internet, inclusive manuais de fabricação de explosivos e informações sobre envenenamento e ataques cibernéticos.
A Europol, força policial da União Europeia (UE), também participou das investigações e afirmou que os brasileiros mantiveram contato com indivíduos presos anteriormente sob acusação de ligação com o EI.
O jornal La Vanguardia, por sua vez, informou que os detidos eram acompanhados há algum tempo, e as prisões foram realizadas agora porque ficou constatado que o nível de radicalização havia aumentado, tornando-os um perigo para a segurança. Ambos foram enviados a Madrid e colocados à disposição da Justiça local.
As detenções aconteceram na cidade de Estepona, onde eles viviam, na província de Málaga, e foram realizadas em colaboração com o FBI, a polícia federal dos EUA.
Derrocada do Estado Islâmico
O EI, grupo ao qual os irmãos teriam se associado, passa por um processo de enfraquecimento que começou com a derrota da organização em seus dois principais redutos. No Iraque, o exército iraquiano retomou todos os territórios que o grupo dominava desde 2014. Já as FDS (Forças Democráticas Sírias), uma milícia curda apoiada pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pela facão extremista na Síria.
De acordo com relatório divulgado em agosto de 2023 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o EI “continua a comandar entre cinco mil e sete mil membros em todo o Iraque e na República Árabe da Síria, a maioria dos quais combatentes.” No entanto, “adotou deliberadamente uma estratégia para reduzir os ataques, a fim de facilitar o recrutamento e a reorganização.”
Atualmente, a maioria dos líderes do EI permanece no noroeste da Síria, mas “o grupo realocou algumas figuras-chave para outros lugares.” Um continente de forte presença da organização é a África, com afiliados locais representando uma ameaça constante aos governos da região.
Um desses afiliados é o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS), que ampliou sua área de atuação, com aumento de ataques no Mali e, em menor escala, em Burkina Faso e no Níger. Recentemente, tem feito esforços para estabelecer “um corredor para a Nigéria para fins logísticos, de abastecimento e recrutamento, possivelmente em colaboração com o ISWAP” (Estado Islâmico da África Ocidental).
A avaliação da equipe de monitoramento da ONU, entregue ao Conselho de Segurança no final de julho, surge em meio a mais um momento crucial da luta contra o terrorismo. Desde fevereiro de 2022, o EI sofreu diversos duros golpes, com três líderes da organização mortos em operações de combate ao terrorismo.
O mais recente deles foi Abu al-Hussein al-Husseini al-Qurashi, morto em abril. O governo turco reivindicou a ação, embora a própria organização terrorista alegue que o comandante morreu em confronto com o Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), uma organização extremista associada à Al-Qaeda e listada pelo governo norte-americano como terrorista.
“Apesar do progresso feito no direcionamento de suas operações financeiras e quadros de liderança, a ameaça representada pelo Daesh (sigla árabe para se referir ao grupo) e suas afiliadas regionais permaneceu alta e dinâmica nas amplas áreas geográficas onde está presente”, diz o relatório, citando a África como uma região de particular preocupação.
Terrorismo no Brasil
Episódios recentes mostram que o Brasil é visto como porto seguro pelos extremistas e é, também, um possível alvo de ataques. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al-Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.
Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao EI foram presos e dois fugiram.
Mais tarde, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles foram acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.
A ameaça voltou a ser evidenciada com a prisão, em outubro de 2023, de três indivíduos supostamente ligados ao Hezbollah que operavam no Brasil. Eles atuavam com a divulgação de propaganda do grupo extremista e planejavam atentados contra entidades judaicas.
Para o tenente-coronel do exército brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), tais episódios causam “preocupação enorme”, vez que confirmam a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.
“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras).
A opinião é compartilhada por Barbara Krysttal, gestora de políticas públicas e analista de inteligência antiterrorismo.
“O Brasil recorrentemente, nos últimos dez, cinco anos, tem tido um aumento significativo de grupos terroristas assediando jovens e cooptando adultos jovens para fazer parte de ações terroristas no mundo todo”, disse ela, que também vê o país sob ameaça de atentados. “Sim, é um polo que tem possibilidade de ser alvo de ações terroristas.”